Da Redação
A
Paraíba é o terceiro estado mais violento do Brasil, Cabedelo a segunda
cidade com mais homicídios por habitantes e João Pessoa a segunda
capital onde mais se mata no país. São os dados de uma matéria publicada
no Jornal Estadão, baseado nos dados do DATASUS do governo Federal.
Confira na íntegra
Bruno Paes Manso ENVIADO ESPECIAL / JOÃO PESSOA - José Roberto de Toledo e Amanda Rossi
O
estudante Lucas, de 17 anos, recebeu um chamado no celular às 10h45 de
anteontem no bairro Colinas do Sul, periferia de João Pessoa, na
Paraíba, a 25 km da orla turística de Cabo Branco e Tambaú. Pegou a
bicicleta e pedalou por cerca de 1 km em estrada de terra, até ser
atingido à queima-roupa por três disparos. Caiu em uma arapuca e morreu
perto das 11 horas.
Veja também:
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Policiais
civis que chegaram ao local, meia hora depois, ainda ouviram dos
familiares que Luquinha era simpatizante da gangue O Kaida (corruptela
de Al-Qaeda), formada dentro dos presídios paraibanos em 2004. Ele vinha
sendo ameaçado por jovens da gangue rival, Estados Unido (sic), cujos
integrantes moram no bairro vizinho de Gervásio Maia. A rivalidade entre
os grupos hoje já se reproduz por quase todo o Estado. “Uma das
hipóteses é de que ele tenha sido morto por causa da disputa local pelo
tráfico”, explica o delegado Luiz de Cerqueira Cotrim Neto, da Delegacia
de Homicídios. O corpo de Lucas chegou ao IML às 14 horas.
O
número de homicídios na Paraíba cresceu 55% entre 2008 e 2011, a maior
alta do País. O Estado é o terceiro do Brasil entre os mais violentos,
atrás de Alagoas e Espírito Santo, superando Pará, Bahia e Pernambuco.
Os números foram compilados pelo Estadão Dados, com base no DataSus. O
período coincide com o crescimento da venda de crack nas periferias.
Cabedelo,
cidade portuária de 59 mil habitantes na região metropolitana de João
Pessoa, registrou 79 assassinatos em 2011 - sua taxa de homicídios
chegou a 134 por 100 mil habitantes, a segunda do Brasil e uma das
maiores do mundo. Já João Pessoa é a segunda capital brasileira mais
violenta, atrás apenas de Maceió. O Estado reflete um problema de toda a
Região Nordeste, que já é a mais violenta do País, com 36 homicídios
por 100 mil habitantes em 2011 - dados mais recentes.
Para
tentar entender a dinâmica dessa epidemia de homicídios, o Estado
passou quatro dias entre João Pessoa e Cabedelo. Chegou na quarta-feira,
com a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, que participou
de uma audiência pública e acabou tendo de ouvir diversos pedidos de
ajuda. Grupos do movimento LGBT denunciavam homicídios. Já o cacique
geral do Povo Potiguar, Sandro Gomes Barbosa, afirmou que dois caciques
foram mortos recentemente e dizia que estava sendo ameaçado por causa do
tráfico e disputas de terra. E a advogada Laura Berquó, presidente da
Comissão de Igualdade Racial e Liberdade Religiosa da OAB, registrava o
homicídio de três pais de santo. “Mais do que a religião, pesa o fato de
serem negros e pobres, grupos com a maioria das vítimas da violência.”
Engrenagem.
Nos últimos cinco anos, diferentes focos de conflitos homicidas se
intensificaram na Paraíba, com a tolerância ou até o incentivo de
instituições estaduais. A pistolagem e os assassinatos de aluguel,
tradição dos tempos do coronelismo, se modernizaram e passaram a
produzir lucros elevados, infiltrando pilares sólidos nas polícias
locais.
Foi
o que mostrou as investigações da Operação Squadre, desencadeada pela
Polícia Federal em novembro de 2012, que levou à prisão de 39 pessoas,
entre policiais militares, civis e agentes penitenciários. O Estado teve
acesso à íntegra da denúncia.
Foram
acusados três núcleos principais. Um deles comandado por oficiais da PM
que organizavam a segurança privada do comércio local. Outro era
formado por um grupo de extermínio, autor de diversas mortes, muitas
delas cometidas contra presos em regime semiaberto que chegavam ou saíam
dos presídios. Mas também morreram mulheres grávidas e crianças.
O
terceiro extorquia dinheiro de traficantes, além de negociar armas com
bandidos. “Ao contrário do que os outros pensam, as milícias não são
realidade só do Rio. É uma realidade nacional. É preciso criar controles
mais efetivos para coibir essas ações policiais”, diz o secretário de
Segurança e Defesa Social da Paraíba, Claudio Coelho Lima.
Crack.
O tráfico também se espalhou pelas periferias locais graças à chegada
do crack, expansão que acabou incentivada pela rivalidade entre facções
territoriais. A O Kaida surgiu em 2004, na Penitenciária de Segurança
Máxima Geraldo Beltrão (conhecida como Presídio do Roger). O detento
Neguinho do Roger conseguiu importar uma granada que explodiu no
presídio e feriu ao menos dez presos. “Sou o Bin Laden. Sou o Iraque.
Eles diziam em tom de piada. Acabou criando a O Kaida. E os rivais,
viraram Estados Unido”, explica Ednaldo Correa, que foi diretor de 11
presídios paraibanos.
Essa
rivalidade saiu de trás dos muros para os bairros e cidades paraibanas.
Em abril de 2010, Cabedelo viu uma das lideranças locais da O Kaida,
Fatoca, tentar monopolizar o comércio de drogas na cidade. Bandana, dos
Estados Unido, defendia sua fatia comercial. O desequilíbrio no mercado e
as balas decorrentes levaram a cidade a se tornar a segunda mais
violenta do Brasil.
“Conseguimos
reduzir a criminalidade nos últimos dois anos prendendo os principais
matadores locais”, diz o major Carlos Roberto da Silva Sena, que assumiu
o comando da Polícia Militar em 2011. Na tela do computador, ele tem a
foto de mais de 100 criminosos, entre eles a de Ni, que tatuou um
cemitério nas costas: sete cruzes para cada assassinato cometido.
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