Novamente a Câmara dos Deputados tenta aprovar o sistema eleitoral conhecido como distritão no âmbito da reforma política. Adotada
em países como Jordânia e Afeganistão, a proposta já teve entre seus
principais fiadores o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB). Da última vez em
que foi avaliada no Congresso, há dois anos, não obteve
votos suficientes para mudar a Constituição (embora tenha conquistado a
maioria do plenário).
Agora, pelo menos nos corredores do Congresso, a expectativa é implantar o distritão já nas eleições do
ano que vem — segundo o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), um
“consenso” sobre o assunto já estaria se formando entre as principais
siglas da base aliada do governo.
Ontem, o assunto foi aprovado na comissão que analisa a reforma política
na Câmara com um placar apertado (17 a 15). Para valer no próximo ano, a
proposta depende do apoio de pelo menos 60% dos membros de ambas casas
legislativas até setembro.
Hoje os deputados são eleitos por um
sistema proporcional, no qual são considerados primeiro os votos em
cada partido, e depois os candidatos mais votados dentro das legendas.
Pelo
novo modelo, seriam eleitos simplesmente os candidatos mais votados,
como ocorre na eleição presidencial. A ideia, segundo o presidente do
Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), é adotar o distritão como uma
medida de transição para o voto distrital misto (que concilia o sistema
majoritário à lista fechada).
AS VANTAGENS
A principal
vantagem da medida é a extinção do chamado “efeito Tiririca”, por meio
do qual candidatos muito bem votados ajudam a eleger outros colegas de
coligação que não receberam uma votação expressiva. Com isso, escreve o
jurista Ives Gandra Martins, “donos de partidos sem densidade
eleitoral, que buscam puxadores de votos para elegerem-se, perderiam
espaço”. Ponto para o distritão.
Ao favorecer apenas os candidatos
mais fortes, outro possível efeito desse sistema (que é conhecido entre
os cientistas políticos como “voto único não transferível) é fortalecer
as legendas mais importantes que detém os nomes mais populares e barrar
aquelas de menor peso.
“O distritão (…) serviria para,
naturalmente, criar uma cláusula de barreira, com a eliminação gradativa
de ‘legendas comerciais’ para concessão, mediante espúrios acordos, de
benesses variadas”, continua Martins em artigo.
Além disso,
argumentam os defensores da ideia, o modelo ajudaria a simplificar o
hoje (para lá de) complicado sistema eleitoral proporcional – que mais
confunde o eleitor do que outra coisa.
OS PORÉNS
Para um
grupo considerável de cientistas políticos e especialistas em direito
eleitoral, os benefícios do modelo terminam por aí. Em 2015, quando a
proposta foi votada no Congresso, cerca de 100 dos principais
especialistas em ciências políticas do Brasil assinaram um manifesto afirmando que a aprovação do distritão seria um “retrocesso institucional”.
Um
dos principais efeitos colaterais da medida seria o fortalecimento
exarcebado dos candidatos individualmente em detrimento dos partidos
políticos – fato que pode agravar a formação de novos quadros na
política e aguçar a crise de representatividade institucional.
“Cada candidato será o partido de si mesmo”, afirma outro manifesto, dessa vez, assinado pela Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político publicado em 2015.
Para
muitos analistas, a formação de um quase consenso em torno da ideia
pode ser uma tentativa dos grupos políticos investigados na Operação
Lava Jato de se manter no poder e com foro privilegiado. Afinal, a
princípio, a medida também favoreceria a reeleição de candidatos que já
estão no poder ou de candidatos celebridades, dificultando assim a
renovação do Congresso.
“[O distritão] facilitará o renascimento
de oligarquias regionais e contribuirá para a diminuição da qualidade da
representação política, ao proporcionar maiores condições de vitória a
concorrentes sem experiência parlamentar”, diz trecho do manifesto dos
cientistas políticos publicado em 2015.
Esse grupo de cientistas
políticos argumenta ainda que, por suas características, esse modelo
poderia esquentar a competição das campanhas e torná-las mais caras –
uma consequência que vai na contramão de todo o debate em torno de
baratear os custos das eleições no país.
Para piorar, segundo esse
grupo, o modelo poderia também agravar a crise de representação
política já que muitos dos votos seriam desperdiçados. No sistema atual,
de certa forma, todos os votos para uma determinada coligação ou
partido contam para que aquele grupo eleja um ou outro candidato. No
distritão, não.
Segundo cálculos do cientista político Jairo Nicolau, se o distritão fosse vigente nas eleições de 2014, cerca de 30 milhões de votos para a Câmara dos Deputados não teriam sido contabilizados.
Em
uma pesquisa feita com 170 especialistas em sistemas eleitorais ao
redor do globo em 2006, o distritão foi apontado como pior sistema
eleitoral entre nove opções (segundo dados coletados por Nicolau em
outro estudo). Nossos congressistas estão de parabéns – só que não.
Fonte: MSN
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