Há um ano, logo após o impeachment de Dilma Rousseff, o então
recém-empossado Michel Temer fez sua primeira viagem internacional, para
Hangzhou, na China, onde participou da cúpula do G20 (o grupo que reúne
as maiores economias do mundo). Dali, partiu ao Brasil com um convite,
feito por seu colega chinês, Xi Jinping, para retornar ao país em uma
visita de Estado.
Cumprindo o combinado, o peemedebista voltou à
China na quinta-feira. A estadia, que vai durar sete dias, inclui uma
visita oficial na capital Pequim e também a participação no encontro dos
Brics (grupo que reúne, além do Brasil, China, Rússia, Índia e África
do Sul) na cidade de Xiamen, no sudeste do país. Segundo o Itamaraty, os
dois chefes de Estado devem discutir oportunidades de investimentos e
assinar acordos bilaterais.
Mas a viagem não tem apenas um caráter
cerimonial: Temer vai se esforçar a todo custo para vender aos chineses
os projetos de concessões e privatizações que se tornaram uma das
principais marcas de seu governo.
O objetivo é levantar
dinheiro suficiente para aliviar as contas públicas ─ só neste ano a
expectativa é de que o rombo fiscal (a diferença entre as receitas e as
despesas) chegue a R$ 159 bilhões.
Só com o último pacote de
desestatização anunciado na semana passada, que envolve 57 projetos e
será implementado nos próximos anos, o governo espera arrecadar até R$
44 bilhões. Em setembro do ano passado, já havia sido anunciado um plano
para privatizar outros 34 ativos de controle estatal.
É neste
contexto que a China aparece como um potencial comprador. Com um apetite
voraz, o gigante asiático está de olho em oportunidades de investimento
ao redor do mundo que possam sustentar o crescimento de sua economia.
Além
disso, como poucos países no mundo, a China tem capital de sobra ─
estatal, em sua maioria ─ para investir em grandes projetos que demandam
vultosos recursos e cujo retorno pode vir em um prazo mais longo.
Soma-se a isso a queda nos preços dos ativos brasileiro por conta da
crise e a equação se fecha.
Investimentos
A presença do país na América Latina vem crescendo desde 2008. Em
2010, o Brasil foi destino de um quarto de todas as aquisições chinesas
no exterior, US$ 12,5 bilhões, segundo dados da consultoria Dealogic. O
percentual recuou nos anos seguintes e ganha fôlego desde 2015, quando a
recessão barateou os ativos brasileiros. No acumulado até agosto de
2017, o Brasil respondeu por 6,6% das fusões e aquisições feitas por
capital chinês, um total de US$ 7,3 bilhões.
Os setores de
infraestrutura e de energia estão entre os que mais têm recebido
recursos do país. A estatal chinesa State Grid, maior empresa do setor
elétrico do mundo, desembarcou no Brasil em 2010 e hoje é dona, por
exemplo, da CPFL energia. A China Three Gorges (CTG), outra estatal, que
opera a hidrelétrica de Três Gargantas, chegou em 2013 e já é a segunda
maior geradora do país.
Além de investidora, a China é também
importante parceiro comercial. É o principal destino das exportações
brasileiras, de 24,3% dos US$ 126 bilhões embarcados entre janeiro e
julho de 2017. Em segundo lugar vem os Estados Unidos, que responde por
cerca de 12% do total acumulado no ano.
Entre os ativos que o
governo espera vender ou conceder em outorgas aos chineses e que serão
apresentados durante a visita há aeroportos, portos, rodovias e
ferrovias. A Eletrobras também será oferecida, mas por meio da emissão
de novas ações na bolsa, que vai diluir a participação da União. A Casa
da Moeda, órgão que confecciona as notas de real, ficará de fora desta
rodada de oferta.
"Estamos levando à China não só ideias, mas
investimentos críveis. Eles (chineses) já demonstraram interessem em
vários projetos nossos", diz à BBC Brasil Adalberto Vasconcelos,
secretário especial do Programa de Parceria e Investimentos (PPI), órgão
criado pelo governo Temer em setembro do ano passado "ampliar e
fortalecer a relação entre o Estado e a iniciativa privada".
"O
Brasil tem sido bastante atrativo, a despeito do momento econômico e
político pelo qual passa. Estamos preocupados em oferecer aos usuários
uma boa prestação de serviços, e comprometidos com a geração da renda e
do emprego, mas sem abrir mão da qualidade técnica dos estudos",
acrescenta.
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Desestatização
O foco em atrair capital chinês como uma forma de tentar contornar a crise divide especialistas ouvidos pela BBC Brasil.
Para Oliver Stuenkel, coordenador do MBA em Relações Internacionais
da FGV-SP, seria uma "loucura não interagir com a China ou limitar a
participação chinesa no Brasil".
"Ninguém consegue negar que a
recuperação da economia brasileira passa pela China. Não há outra
maneira de sairmos da crise sem estreitarmos essa ligação. A China é o
motor da economia mundial e em breve vai superar os Estados Unidos",
diz.
Stuenkel lembra que o forte crescimento do Brasil durante o
governo Lula (2003-2011) se deveu, em grande parte, ao apetite chinês
por matérias-primas brasileiras, como petróleo, soja e minério de ferro.
"É
impossível entender o período de bonança econômica do governo Lula sem a
demanda chinesa. Não há alternativa à China. Fortalecer a relação com o
país é o único caminho", defende.
Sergio Lazzarini, professor de estratégia do Insper, concorda. Autor do livro Capitalismo de Laços,
ele analisa o modo como o capitalismo brasileiro se desenvolveu,
especialmente nos últimos anos, com a ampliação do poder do Estado na
economia.
"O Brasil não tem poupança suficiente para fazer o mesmo
capitalismo de Estado feito na China. Já houve esse movimento, com os
campeões nacionais (empresas de capital nacional capacitadas a disputar -
e vencer - a competição em setores de atividade identificados como
estratégicos por seus formuladores), mas não deu certo. O momento agora é
de correção de rumos em função do excesso dessas políticas", explica.
"O
governo não tem capacidade de investimento. Se não fizer caixa, vai
faltar dinheiro. A expansão chinesa tem causado um alvoroço em todos os
países. Mas dizer não à China é um movimento protecionista que não
deveríamos perseguir", argumenta.
Já Pedro Rossi, professor de
Economia da Unicamp, pensa diferente. Para ele, a venda de ativos aos
chineses coloca em xeque "a soberania nacional e a própria democracia
brasileira".
"O capital privado passa a ditar as regras em setores
que poderiam ser usados como instrumento de desenvolvimento para o
país. Não faz sentido vender a Eletrobras por R$ 30 bilhões se a
previsão de rombo fiscal é de R$ 159 bilhões", opina.
Ele cita o
caso da privatização da Vale, em 1997, durante o governo do
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Hoje, a empresa vende minério
de ferro bruto à China, seu maior comprador ─ e o país se encarrega do
restante da cadeia produtiva, transformando-o em aço, por exemplo,
agregando valor ao longo da produção.
"Isso acaba gerando menos renda e emprego para os brasileiros", assinala.
Em sua avaliação, o governo brasileiro tem uma estratégia "completamente oposta" à dos chineses.
"Enquanto
o Brasil vende seus ativos, a China exerce um movimento contrário:
busca comprá-los ao redor do mundo por meio de uma política patrocinada
pelo Estado".
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