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ELEIÇÕES 2020: TRE-PB replica artigo que aborda reflexão sobre a possibilidade de adiamento das eleições


“Postergar as eleições de modo a burlar um imperativo constitucional, privilegiará, indubitavelmente, o status quo dos governistas nos mais díspares rincões do país”, afirma o jurista Walber Agra
A Presidência do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, em consonância com o posicionamento da presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministra Rosa Weber, exposto em manifesto replicado neste sítio, na última segunda-feira (27/03), relativamente ao avento da possibilidade de adiamento das eleições municipais de 2020, veicula artigo do advogado Walber de Moura Agra, publicado como Opinião, do Boletim de Notícias, no sítio Consultor Jurídico, abordando o tema que passamos a transcrever na íntegra:
“Mesmo diante da multiplicidade dos modelos constitucionais, pode-se asseverar que dois dos principais fatores teleológicos do constitucionalismo pós-moderno aparelham-se na defesa e concretização dos direitos fundamentais e na proteção e implementação dos mecanismos da democracia.
A necessidade de salvaguardar esses pilares estruturadores nunca se fez tão premente, máxime na quadra atual, em que perigos extremados se levantam contra a participação da população na tomada das decisões políticas da sociedade, esquecendo-se o longo período em que o Brasil sucumbiu aos disparates de uma ditadura militar, inaugurada com o golpe de 1964.
O compromisso em defesa da democracia e das regras do regime democrático ainda avulta maior importância no Brasil, que ostenta um sistema jurídico periférico, alicerçado em fatores como a baixa eficácia de grande parte de seus estatutos normativos, o casuísmo jurisprudencial, as constantes modificações de parâmetros legais e voluntarismos judiciais. Em suma, pelo menoscabo ao primado legal e o desrespeito sistemático dos direitos fundamentais albergados com desvelo pela Constituição Federal de 1988.
A discussão atinente ao adiamento das eleições municipais que ocorrerão no próximo dia 04 de outubro se mostra como espécie de debate típico de sistema jurídico periférico, em que interesses tópicos e voluntaristas vêm à baila em momentos difíceis do ponto de vista social, político e econômico. A seriedade do assunto conclama, por isso mesmo, um período de maior maturação sobre as consequências institucionais da massificação dessas possibilidades teratológicas.
Diversas são as vozes que ecoam a professar a necessidade de adiamento das eleições em virtude do agravamento dos quadros de contágio do coronavírus no Brasil. Recentemente, o Ministro da Saúde defendeu, em reunião online com prefeitos, que as eleições de outubro sejam adiadas para evitar que utilizem a pandemia do coronavírus com estratégia eleitoral.
Na seara do Poder Legislativo, já foram recebidas três propostas de emenda à Constituição (PEC) para adiar as eleições municipais deste ano para 2022 e estender os mandatos de prefeitos e vereadores até 1º de janeiro de 2023. Em pronunciamento veiculado aos 23 de março do ano corrente, a Senhora Ministra Rosa Weber, Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, asseverou que o debate acerca do adiamento das eleições municipais é precoce, tendo alertado, na oportunidade, que o adiamento cuida de matéria prevista expressamente no texto constitucional e na legislação infraconstitucional.
Não se pode olvidar que a teor do comando vertido do artigo 29, inciso II, da Carta Magna, as eleições para os cargos de prefeitos e vereadores acontecem de quatro em quatro anos, no primeiro domingo de outubro e, se houver segundo turno, no último domingo do referido mês. Portanto, com base nesse pedestal normativo, apenas uma emenda constitucional poderia vir a alterar esse panorama, com todos apanágios do processo legislativo inerente à espécie.
Ainda que houvesse essa predisposição, com todos os pressupostos e requisitos preenchidos, haveria o impeditivo do princípio da anualidade eleitoral, inscrito no art. 16 da Lex Mater, que tem o fator teleológico de impedir modificações abruptas e casuísticas que possam estorvar a paridade de armas, de modo a favorecer determinados atores eleitorais. Ensina o Professor José Afonso da Silva que a ratio legis está precisamente em evitar a alteração da regra do jogo depois que o processo eleitoral tenha sido desencadeado.
O mencionado dispositivo constitucional, de taxionomia eminentemente instrumental, além de ostentar a natureza de cláusula pétrea, tem o cerne de evitar surpresas que porventura possam beneficiar certos interesses eleitorais. Presta-se a um papel mais proeminente, qual seja, o de promover efetivo prestígio a uma das bases do edifício jurídico, que é a segurança jurídica.
Trata-se, conforme aduz Ingo Sarlet, de um direito fundamental basilar, que se comunica com o princípio democrático, uma vez que estabelece uma relação de confiança entre os cidadãos e seus representantes; com a liberdade, uma vez que pondera o limite de seu exercício; e com os direitos fundamentais, na medida em que os protege de eventuais arbitrariedades perpetradas pelo poder público.
O princípio da paridade de armas no pleito eleitoral é desdobramento do cânone da isonomia, que garante a igualdade dos meios utilizados na ambiência do pleito a todos os candidatos. Postergar as eleições de modo a burlar um imperativo constitucional, privilegiará, indubitavelmente, o status quo dos governistas nos mais díspares rincões do país, em ordem a impedir as possibilidades de mudanças decorrentes dos resultados dos pleitos, no que desmerece a soberania popular, fundamento basilar do ordenamento jurídico.
A segurança jurídica ganha proeminência na hoste eleitoralista, pois as modificações nas regras eleitorais em muitas vezes habitam o plano das indefinições, de modo a promover uma ambiência que possa beneficiar candidatos em detrimento de outros players, o que inevitavelmente causará acintes à integridade da soberania popular. Mais ainda, a atmosfera de incertezas pode impulsionar a ocorrência de fraudes à Constituição e ilícitos eleitorais, em atos consubstanciados em abuso de poder político, que podem macular a integridade da vontade popular.
A fraude à Constituição pode ocorrer porque sem previsão constitucional, e não obstante a ânsia popular em escolher os mandatários, pretende-se arbitrariamente elastecer os mandatos sem que a população explicitamente o outorgue. As fraudes pululantes no constitucionalismo moderno servem apenas para deslegitimar a Carta Magna e estimular rompantes autoritários dos mais diversos matizes.
O abuso de poder político ocorre nas situações em que o detentor do poder, valendo-se de sua posição privilegiada em órgãos estatais, tenta influenciar o eleitor, em detrimento da liberdade de voto. Dá-se com os atos praticados com desrespeito aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, ou seja, os princípios basilares da Administração Pública. Nesse caso, o adiamento das eleições para 2020 indubitavelmente abrirá brechas para o aumento de acintes ligados ao poder público, em razão do elastecimento dos mandatos. Postergar as eleições per se consubstancia-se em ato de abuso de poder político, fazendo que a máquina governamental possa agir em prol dos seus candidatos favoritos.
O caso de adiamento das eleições municipais de 2020 apenas seria possível se houvesse um caso fortuito ou motivo de força maior que impedisse a população de se manifestar na data marcada. Na hipótese em comento, entende-se que o adiamento só poderia ocorrer se houvesse um suporte fático específico, apto a conferir ao surto de contágio do coronavírus uma posição em destaque no espectro de incidência de um caso fortuito ou motivo de força maior.
Na situação atual, onde as possibilidades de alcance do coronavírus ainda não estão definidas, aventar um adiamento das eleições significaria uma nítida fraude à Constituição, incidindo nos seus pilares mais indeléveis, que seriam a soberania popular, o processo democrático e a segurança jurídica. A precipitação na tentativa de lançar investidas contra a previsibilidade e a normalidade na realização do pleito, além de fragilizar as instituições, pode aumentar ainda mais a crise econômica e política na qual o Brasil está imerso.
É de bom alvitre destacar que de acordo com dados do Ministério da Saúde, o Brasil deve enfrentar o pico do novo coronavírus entre 60 e 90 dias, no que a estimativa é que os números de casos sejam elevados entre os meses de abril e junho e atinjam a estabilidade a partir de julho. Ou seja, ainda não há indicativo de que o período crítico de contágio alcance o mês de outubro, de modo a impedir a realização do pleito. E mesmo assim, um possível adiamento das eleições não pode ocasionar um maior elastério temporal para o exercício dos mandatos de forma arbitrária, de modo a ultrapassar o período delimitado pela Constituição, no que quando os fatos motivadores cessarem, novas eleições devem ser imediatamente realizadas.
Faz-se necessário observar que diversos órgãos e instituições estão a empreender esforços hercúleos para adaptar a prestação de serviços às novas necessidades de convívio social em decorrência desse flagelo, notadamente com a implementação de meetings em plataformas digitais. Deveras, tem-se que o calendário eleitoral não seria prejudicado, haja vista que muitos dos atos podem, inclusive, orbitar na seara digital, no sítio eletrônico do PJe. De igual modo, os atos de campanha consubstanciados na difusão de conteúdo propagandístico, não seria arrefecidos, em razão da densificação do manejo das redes sociais para esta finalidade.
Como as eleições ainda estão longe de alcance e até agora não existe nenhum vislumbre de prejuízo ao processo eleitoral, não se afigura razoável forçar a tipificação de um provável suporte legitimador para o adiamento do pleito. Para amenizar as crises constitucionais que serão aguçadas pelas intempéries de ordem política, econômica e social, urge densificar a força normativa da Constituição, em ordem a perquirir em seu texto, de forma sistêmica, as saídas para as vicissitudes momentâneas que nos atingem.
Isso porque conforme aduz Konrad Hesse, pelo fato de a Lei Maior se constituir como a ordem fundamental jurídica da coletividade, ela estabelece os princípios diretivos que forjam a unidade política, regula os procedimentos de superação dos conflitos no interior da sociedade e os procedimentos de formação da unidade política.
Sendo esse o contexto, exala-se como conclusão que as eleições apenas podem ser adiadas se houver, além da incidência de um suporte fático excepcionalíssimo que se amolde à tipificação de caso fortuito ou força maior; o respeito indeclinável à segurança jurídica, especificamente ao princípio da anualidade eleitoral, que impede o vilipêndio ao princípio da paridade de armas e a ocorrência de casuísmos e indefinições ensejadoras de ilícitos eleitorais. Respeitadas essas premissas, as eleições, caso realmente sejam adiadas, seriam pelo menor tempo possível para esperar que a normalidade volte a imperar no Brasil.
No entanto, ainda assim se exigiria uma Emenda à Constituição, especificamente no ADCT. A melhor solução configura-se na densificação da força normativa da Constituição, partindo-se do seu texto para buscar soluções para a saída de situações calamitosas, pois modificações nas regras do processo democrático que destoem da normalidade previsível apenas são adequadas se forem singularíssimas, sob pena de perda de legitimidade do regime democrático, que hodiernamente já sofre tanta contestação em razão do aumento exponencial das desigualdades sociais.”
Walber de Moura Agra é procurador de Pernambuco, advogado, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), livre-docente pela Universidade de São Paulo (USP), pós-doutor pela Université Montesquieu Bordeaux IV (França) e doutor pela UFPE/Universitá Degli Studio di Firenzi (Itália). Membro da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB.

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