A um ano e três meses das eleições de 2022 e sob a justificativa de que o presidencialismo virou uma fonte inesgotável de crises, a ideia apoiada por Lira e nomes de peso do mundo político e jurídico prevê a adoção do regime semipresidencialista no Brasil
Disposto a esvaziar a pressão para autorizar o impeachment de Jair
Bolsonaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), articula com
aliados a mudança no sistema de governo por meio de uma proposta de emenda à
Constituição (PEC). A um ano e três meses das eleições de 2022 e sob a
justificativa de que o presidencialismo virou uma fonte inesgotável de crises,
a ideia apoiada por Lira e nomes de peso do mundo político e jurídico prevê a
adoção do regime semipresidencialista no Brasil.
O modelo introduz no cenário político a figura do primeiro-ministro e
aumenta o poder do Congresso. Embora a proposta determine que o novo sistema
tenha início apenas no primeiro dia do "mandato presidencial
subsequente" à promulgação da emenda, sem fixar datas, o presidente da
Câmara, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e ex-presidentes, como
Fernando Henrique Cardoso, Michel Temer e José Sarney, defendem o ano de 2026
como ponto de partida.
Lira apresentou a minuta na terça-feira passada, em reunião do colégio
de líderes, e obteve apoio da maioria para levá-la adiante, apesar das críticas
da oposição, principalmente do PT, que chama a proposta de "golpe" e
"parlamentarismo envergonhado". A PEC é de autoria do deputado Samuel
Moreira (PSDB-SP), ex-secretário da Casa Civil de São Paulo, e, para que comece
a tramitar na Câmara, precisa de 171 assinaturas.
O Estadão apurou que a proposta, protocolada em agosto do ano passado,
estava na prateleira e foi resgatada após Bolsonaro fazer uma série de ameaças,
dizendo que o Brasil não terá eleições em 2022 se não houver voto impresso. Nos
últimos tempos, afirmações do presidente na contramão da democracia serviram
para acender a luz amarela no Congresso e no Supremo. O temor de ruptura
institucional cresceu depois que o ministro da Defesa, Walter Braga Neto, e
comandantes das Forças Armadas divulgaram nota atacando o presidente da CPI da
Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM).
Diante de 126 pedidos de impeachment de Bolsonaro, Lira afirmou que é
preciso trabalhar mais para "pôr água na fervura" do que para
"botar querosene" na crise. Cabe ao presidente da Câmara dar
andamento ao processo, mas Lira disse não ver ambiente político para isso e
reagiu às cobranças. "Não posso fazer esse impeachment sozinho",
afirmou o deputado, que comanda o bloco de partidos aliados conhecido como
Centrão.
Barreira
A proposta de semipresidencialismo que reaparece agora como uma barreira
para enfrentar arroubos - por enquanto retóricos - de Bolsonaro prevê um modelo
híbrido. Ao mesmo tempo em que mantém o presidente da República, eleito pelo
voto direto, delega a chefia de governo para o primeiroministro. É ele quem
nomeia e comanda toda a equipe, o chamado "Conselho de Ministros",
incluindo até mesmo o presidente do Banco Central.
Inspirado em sistemas adotados em Portugal e na França, o regime
sugerido para o Brasil em nome da estabilidade joga luz sobre um "contrato
de coalizão", com força de lei, para ser assinado por partidos que dão
sustentação ao presidente. Ali devem constar as diretrizes e o programa de
governo.
Na prática, é o primeiro-ministro que toca a administração do País e
conduz o "varejo político". Nomeado pelo presidente, de preferência
entre os integrantes do Congresso, ele tem a obrigação de comparecer todo mês à
Câmara para prestar contas.
A destituição do chefe de governo pode ocorrer pela aprovação de moção
de censura apresentada pelo presidente ou por dois quintos de integrantes de
cada Casa do Congresso. O gabinete não cai, porém, enquanto não houver outro
primeiro-ministro, já que não existe vice-presidente.
"Hoje temos um presidencialismo de coalizão, mas o equilíbrio para
o governo se manter no poder custa o que a gente não sabe. A fatura é alta e o
Congresso não tem compromisso político. No semipresidencialismo, a governança
muda e as composições são reveladas", argumentou Moreira, o autor da PEC.
Desde a redemocratização, dois presidentes - Fernando Collor de Mello e
Dilma Rousseff - foram afastados e todos os outros conviveram com a espada da
interrupção do mandato sobre a cabeça. O Brasil já fez dois plebiscitos sobre
sistema de governo: um em 1963 e outro em 1993. Em ambas as consultas, uma
minoria demonstrou apoio à criação do cargo de primeiro-ministro e o
parlamentarismo foi derrotado.
"Qual o problema aqui? O presidente da República já se elege com o
impeachment do lado", disse Lira. "Ninguém aguenta isso. Um processo
de impeachment deflagrado a um ano da eleição é o caos. O semipresidencialismo
é a forma de estabilizar a política dentro do Congresso."
Para ser aprovada, a proposta precisa ter 308 votos na Câmara e 49 no
Senado, em duas votações. "Semipresidencialismo é parlamentarismo
disfarçado. Torna presidente eleito sem poder. É criar crise, colocar no
comando do País quem não tem legitimidade do voto para tanto. Golpe na
soberania popular. Regime e sistema de governo já foram decididos por
plebiscito duas vezes no Brasil", criticou a presidente do PT, deputada
Gleisi Hoffmann (PR), em mensagem postada no Twitter.
Na avaliação da cúpula petista, a proposta só ressurgiu para prejudicar
o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que hoje está em primeiro lugar nas
pesquisas de intenção de voto e é o principal adversário de Bolsonaro para
2022. A PEC estipula mandato de quatro anos, com direito a apenas uma
reeleição. "Eu acho que nós deveríamos implantar essa inovação para 2026,
para que não haja mais nenhum interesse posto em mesa", ponderou o
presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso.
Além da polêmica sobre o ano de instituição do novo sistema, caso haja
apoio para a tramitação da PEC, a emenda embute uma novidade. No período de
transição do atual regime para o semipresidencialismo está prevista a criação
do cargo de ministro coordenador, a quem caberá a articulação
político-administrativa do governo.
"Isso é para colocar desde já o Centrão dentro do Planalto",
observou o ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira, que é parlamentarista.
"Vejo essa proposta como um bode na sala, para distrair a população que
enfrenta pandemia, inflação e desemprego. Adotar uma mudança tão profunda para
resolver uma emergência pode ser uma emenda pior do que o mau soneto."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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