Hayanne Narlla
Da Tribuna do Ceará
Da Tribuna do Ceará
18h58
Reprodução/Tribuna
do Ceará
Mikkel Jensen desistiu da Copa
do Mundo no Brasil
Até
aonde você iria por um sonho? O jornalista dinamarquês Mikkel Jensen desejava
cobrir a Copa do Mundo no Brasil, o "país do futebol". Preparou-se
bem: estudou português, pesquisou sobre o país e veio para cá em setembro de
2013.
Em meio a uma onda de críticas e análises de fora
sobre os problemas sociais
do Brasil, Mikkel quis registrar a realidade daqui e divulgar depois. A missão
era, além de mostrar o lado belo, conhecer o ruim do país que sediará a Copa do
Mundo. Tendo em vista isso, entrevistou várias crianças que moram em
comunidades ou nas ruas.
Em março de 2014, ele veio para Fortaleza, a
cidade-sede mais violenta, com base em estatísticas da Organização das Nações
Unidas (ONU). Ao conhecer a realidade
local, o jornalista se decepcionou. "Eu descobri que todos
os projetos e mudanças são por causa de pessoas como eu – um gringo – e também
uma parte da imprensa internacional. Eu sou um cara usado para
impressionar".
Descobriu a corrupção, a remoção de pessoas, o
fechamento de projetos sociais nas comunidades. E ainda fez acusações sérias.
"Falei com algumas pessoas que me colocaram em contato com crianças da rua e fiquei sabendo
que algumas estão desaparecidas. Muitas vezes, são mortas quando estão dormindo
à noite em área com muitos turistas".
Desistiu das belas praias e do sol o ano inteiro.
Voltou para a Dinamarca na segunda-feira (14). O medo foi notícia em seu país,
tendo grande repercussão. Acredita que somente com educação e respeito é que as coisas vão
mudar. "Assim, talvez, em 20 anos [os ricos] não precisem colocar vidro à prova de
balas nas janelas". E para Fortaleza, ou para o Brasil, talvez não volte
mais. Quem sabe?
Confira na íntegra o depoimento:
A Copa – uma grande ilusão preparada para os
gringos
Quase dois anos e meio atrás eu estava
sonhando em cobrir a Copa do Mundo no Brasil. O melhor esporte do mundo em um
país maravilhoso. Eu fiz um plano e fui estudar no Brasil, aprendi português e
estava preparado para voltar.
Voltei em setembro de 2013. O sonho seria
cumprido. Mas hoje, dois meses antes da festa da Copa, eu decidi que não vou
continuar aqui. O sonho se transformou em um pesadelo.
Durante cinco meses fiquei documentando as
consequências da Copa. Existem várias: remoções, forças armadas e PMs nas
comunidades, corrupção, projetos sociais fechando. Eu descobri que todos os
projetos e mudanças são por causa de pessoas como eu – um gringo – e também uma
parte da imprensa internacional. Eu sou um cara usado para impressionar.
Em março, eu estive em Fortaleza para
conhecer a cidade mais violenta a receber um jogo de Copa do Mundo
até hoje. Falei com algumas pessoas que me colocaram em contato com crianças da
rua, e fiquei sabendo que algumas estão desaparecidas. Muitas vezes, são mortas
quando estão dormindo à noite em área com muitos turistas. Por quê? Para deixar
a cidade limpa para os gringos e a imprensa internacional? Por causa de mim?
Em Fortaleza eu encontrei com Allison, 13
anos, que vive nas ruas da cidade. Um cara com uma vida muito difícil. Ele não
tinha nada – só um pacote de amendoins. Quando nos encontramos ele me ofereceu
tudo o que tinha, ou seja, os amendoins. Esse cara, que não tem nada, ofereceu
a única coisa de valor que tinha para um gringo que carregava equipamentos de
filmagem no valor de R$ 10.000 e um Master Card no bolso. Inacreditável.
Mas a vida dele está em perigo por causa de
pessoas como eu. Ele corre o risco de se tornar a próxima vítima da limpeza que
acontece na cidade de Fortaleza.
Eu não posso cobrir esse evento depois de
saber que o preço da Copa não só é o mais alto da história em reais – também é
um preço que eu estou convencido incluindo vidas das crianças.
Hoje, vou voltar para Dinamarca e não
voltarei para o Brasil. Minha presença só está contribuindo para um
desagradável show do Brasil. Um show, que eu dois anos e meio atrás estava
sonhando em participar, mas hoje eu vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance
para criticar e focar no preço real da Copa do Mundo do Brasil.
Alguém quer dois ingressos para França x
Equador no dia 25 de junho?
Mikkel Jensen – Jornalista independente da
Dinamarca
O Tribuna do Ceará entrou em contato com a
Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) para comentar acerca da
possível "matança" comentada pelo jornalista dinamarquês, mas até a
publicação desta matéria não foi enviada a resposta.
(*) A pedido de Mikkel, este artigo foi
publicado com o jornalista já na Dinamarca.
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