Como os jogos da Copa irão alterar a rotina de moradores e de pessoas que trabalham na zona de exclusão dos estádios, área administrada pela entidade máxima do futebol
Fonte: Isto é, Wilson Aquino (waquino@istoe.com.br) e Jorge Eduardo França Mosquera
Todas as terças e quintas, a dona de casa
Ellen Carla Teixeira, 34 anos, tem um compromisso inadiável: levar o
filho David, que tem 5 anos e é cadeirante, à fisioterapia. Mas a
família mora em frente à Arena Pantanal, em Cuiabá, uma das 12 sedes da
Copa do Mundo no Brasil, e, por causa das restrições impostas pela
organização dos jogos, ela não sabe nem se vai conseguir sair de casa
na terça-feira 17 de junho, data do jogo entre Rússia e Coreia do Sul.
“Fizemos um cadastro, mas está tudo muito confuso. Vão fechar a região
quatro horas antes do jogo e não sei como ficará”, diz. Ela faz parte de
um contingente grande de pessoas que estão pagando um preço alto por
morarem perto dos estádios da Copa.
EM CUIABÁ
Ellen Teixeira e o filho David: ela teme não conseguir
levar o filho David à fisioterapia nos dias de jogo
Para proteger as marcas
da Fifa e de seus patrocinadores e facilitar a mobilidade de atletas,
autoridades e pessoas que vão trabalhar nos jogos, foram criadas zonas
de exclusão. As prefeituras das sedes estabeleceram medidas restritivas a
quem dá expediente e a moradores que vivem na área dos estádios perto
do horário dos jogos. Em
Curitiba e Manaus, por exemplo, em dia de jogo, quem não estiver
credenciado ou não tiver ingresso não vai poder nem circular a pé num
raio de um quilômetro do estádio, mesmo se morar na área. Até bebê de
colo terá crachá.
A Lei Geral da Copa garante à Fifa e às pessoas por ela indicadas exclusividade para divulgar ou vender produtos e serviços em um raio de até dois quilômetros dos locais oficiais das competições (leia quadro). A medida visa a evitar o chamado “marketing de
emboscada” – ações piratas de marcas que não patrocinam o evento.
“Vamos fiscalizar para não atrapalhar a mobilidade, o direito dos
torcedores e dos patrocinadores oficiais”, diz Leandro Matieli,
secretário de Ordem Pública da prefeitura do Rio de Janeiro. No Rio,
aliás, há uma particularidade: os bares que ficam ao redor do estádio
não poderão vender bebidas alcoólicas
duas horas antes do início do jogo e até uma hora depois. A proibição
foi determinada por lei em 2009 como estratégia do prefeito Eduardo Paes
(PMDB) para reduzir a violência na região. “A gente aceitava essa lei
porque dentro do Maracanã era proibido vender bebida também. Mas agora
está injusto, porque liberaram a venda no interior do estádio. Então,
por que proibir fora?”, questiona Darcílio Junqueira, diretor do
Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes do Rio.
NA RUA
João Sales tem um bar em frente ao Maracanã e não poderá vender bebida,
que será comercializada dentro do estádio. Henrique Castro,
de Curitiba, precisará de credencial para ir para casa
“Isso é covardia com o comerciante”,
reclama o paraibano João Sales, 53 anos, dono há 29 anos do Bar e
Lanchonete dos Esportes, que fica em frente ao portão 9 do Maracanã.
“Deixo de vender mais de 300 latões de cerveja”, contabiliza. Em Porto Alegre,
onde estão previstos cinco jogos entre 15 e 30 de junho, uma faixa da
Avenida Padre Cacique, em frente à Arena do Beira-Rio, ficará bloqueada
durante os 30 dias do evento e algumas barreiras serão montadas a mais
de três quilômetros do estádio em dias de jogo. Cerca de três mil
gaúchos que vivem no entorno terão sua rotina alterada. Em Recife, onde a
vizinhança da Arena Pernambuco é a mais populosa entre todas as sedes,
cerca de 30 mil pessoas terão de se adaptar ao esquema de restrição.
Livre circulação nas imediações do estádio somente a pé. Na zona de
exclusão, apenas veículos oficiais de segurança e saúde
poderão furar o bloqueio da Fifa. Amigos e familiares que desejem
visitar os moradores da região no período também vão precisar realizar o
cadastramento.
Em Curitiba, na quarta-feira
14, aconteceu o primeiro teste Fifa do estádio, em partida entre
Corinthians e Atlético Paranaense. Como as obras no entorno da Arena da
Baixada não estão prontas, o esquema de restrição não pôde ser testado –
mas já é alvo de protesto. “São dois anos e meio de pesadelo, com
barulho, sujeira e confusão no trânsito. Agora não podemos mais ir e
voltar de casa quando bem entendermos”, reclama o analista de sistemas
Henrique Castro, 36 anos. Ele e a mulher moram em uma rua sem saída que
desemboca em uma das laterais do estádio. É quase vizinho de parede.
“Se eu esquecer minha credencial no trabalho, simplesmente não poderei
entrar em casa”, diz. “Terei de esperar duas horas após o jogo acabar
ou, pior, chegar quatro horas antes”, lamenta.
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