Querem levar nossas escolas para a Idade Média


Daniel Cara

No dia 10 de junho foi a vez de uma comissão da Câmara dos Vereadores de São Paulo. Porém, em todo Brasil, alguns grupos retrógrados e seus parlamentares querem evitar que as escolas e os sistemas de ensino assumam a necessidade de combater as discriminações de raça, etnia, gênero e orientação sexual. Ao seguir essa toada, o Brasil está regredindo.

Em rodas de conversa sobre educação é comum ouvir que “as escolas brasileiras são do século XIX, nossos professores são do século XX e os alunos são do século XXI”. De tão repetida, a máxima perdeu força… Mas o pior é que algumas instâncias de casas parlamentares indicam que ela está obsoleta. Querem fazer com que nossas escolas regridam à Idade Média.

Nesta semana, devido à pressão de alguns supostos defensores da família, parlamentares da Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara dos Vereadores de São Paulo extraíram do Projeto de Lei do Plano Municipal de Educação (PME) todos os mecanismos previstos de denúncia e combate às violências e discriminações de raça, etnia, gênero e religião. Processo semelhante ocorreu com o Plano Nacional de Educação, em Brasília, no Congresso Nacional.

É preciso (re)explicar o absurdo: a Comissão de Finanças e Orçamento da Casa deixou de lado questões relevantes do financiamento da educação, sua atribuição de mérito, para deliberar sobre temas de cunho moral… E fez isso sem qualquer preocupação pedagógica.

Quem conhece as escolas – seja como familiar, profissional ou estudante – sabe que os principais temas de bullying e outras formas de violência no ambiente escolar são exatamente essas discriminações extraídas do texto do PME, somadas aos preconceitos de classe, renda e local de moradia.

Desconsiderar esse fato, sob qualquer justificativa, é inaceitável. Deixar com que a rede pública paulistana deixe de planejar e ter instrumentos essenciais para o respeito à identidade e individualidade dos profissionais da educação, dos familiares, das alunas e dos alunos é um retrocesso grave e uma decisão altamente prejudicial ao ensino e à aprendizagem dos estudantes.

Sob qualquer prisma, toda escola deve promover princípios constitucionais básicos, como a dignidade da pessoa humana, a liberdade de ir e vir e a igualdade entre homens e mulheres.

No mínimo, deve ser consenso que todas e todos têm direito à educação. Infelizmente, é fato que nossas escolas já são espaços inóspitos para gays, lésbicas, transexuais, fiéis de religiões não-cristãs, não-brancos, membros de famílias mais desfavorecidas, nordestinos – o que, reitero, é inaceitável. Nos últimos anos, a cada dia que passa, tem ficado mais evidente a falsidade do mito da tolerância brasileira. E São Paulo, embora se ache diferente, não foge à regra nacional.

Como cidadãos, ao tomar conhecimento do que ocorreu na Câmara dos Vereadores paulistana, pais gays, mães lésbicas, crianças transexuais, educadores que professam o candomblé, por exemplo, têm a consciência de que foram desconsiderados. Em última análise, uma instância da Casa parlamentar da cidade não se preocupou com suas dificuldades cotidianas como membros de comunidade escolares, quase sempre, preconceituosas. Por decorrência, sua cidadania foi desrespeitada. E isso tem acontecido por todo o país.

Em reportagem publicada na Folha de S. Paulo, a jornalista Paula Sperb escreve que procurou, mas não encontrou qualquer menção à suposta “ideologia de gênero” no PME – motivo da ira dos grupos conservadores. Não tinha e não teria. O que existia era uma preocupação em combater os preconceitos mais presentes nas escolas de São Paulo – e também do Brasil. E só. Mas isso foi suprimido.

É preciso ficar claro: não é possível aprender sem paz. Também é impossível ensinar sem ser respeitado. E é inaceitável ver o Brasil dando, a cada dia, um passo para trás.

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