Ao
anunciar a contratação de um advogado versado em delações premiadas o
senador Delcídio do Amaral (PT), preso desde o último dia 25 de novembro
na sede da PF em Brasília, é o mais novo homem-bomba da República. O
advogado recém-contratado é Antonio Figueiredo Basto, responsável pelo
acordo de colaboração do doleiro Alberto Youssef, uma peça-chave (e de
longa data) da Lava Jato.
O timing do anúncio da mudança de
advogado à imprensa foi perfeito: no mesmo dia em que a Câmara votou em
uma chapa oposicionista para a composição da comissão especial que
analisará o impeachment de Dilma, cujo rito agora está sob o crivo do
STF. A coincidência dos acontecimentos expõe a dinâmica atual do
processo político, cujo ritmo é dado pela Lava Jato. Já imaginou, às
vésperas da votação do impeachment no plenário (não sabemos se vai
ocorrer, mas é provável), com o governo espremendo-se para garantir o
mínimo necessário de votos (172) para manter Dilma no cargo, e explode
(mais uma) bomba? Este enredo começou a se desenhar.
Se fechar o
acordo de delação, Delcídio será o primeiro político de peso a fazê-lo. O
senador pelo PT é um homem muito bem informado, com certeza. Atravessou
todos os governos pós-democratização, de Collor (dirigiu a Eletrosul),
Itamar (foi ministro de Minas e Energia), FHC (foi diretor de Gás e
Energia da Petrobras), Lula (como líder do PT no Senado) e Dilma (líder
do Governo). É uma trajetória típica de político brasileiro que domina a
arte de estar sempre próximo ao poder. Em 2005 foi à tribuna do Senado
exigir a demissão de Ildo Sauer, que o sucedeu na Petrobras na diretoria
de Gás e Energia. Sauer, que é professor da USP e acabou demitido da
Petrobras, havia rescindido contratos assinados por Delcídio.
É
evidente que a expectativa sobre Delcídio envolve diretamente Dilma.
Este foi seu líder de governo no Senado. Veio da Petrobras. É muita
gasolina junta. Riscará Delcídio o fósforo?
A dúvida, bem como a
circulação de informações a respeito do que o delator já disse ou
falará, faz parte da lógica da Lava Jato. Tem sido assim desde o início.
Desde quando apareceu o primeiro homem-bomba na capa da revista Veja,
em setembro de 2014, o diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa – e
trechos de sua delação (ou seria suposta, já que delações devem ser
sigilosas, até para não comprometer as investigações?). Na sequência,
ainda no clima eleitoral de 2014, entre o primeiro e segundo turnos, o
país conheceu o segundo homem-bomba, o doleiro Alberto Youssef, a cujo
depoimento à polícia a revista Veja também teve acesso. A revista
produziu duas capas: “O doleiro fala” e “Eles sabiam de tudo” (ao lado
das fotos de Dilma e Lula).
O mundo girou, mais de um ano se
passou, e de novo aguardamos os movimentos de um homem bomba, dessa vez
um político graúdo, dentro do circuito lava-jato de
prisão-delação-divulgação.
O que fará Delcídio? Em jogo não
está certamente apenas a verdade dos fatos, mas muito cálculo político e
negociação. As delações, de certa forma, viraram um instrumento dessa
negociação. Quando preso em 25 de novembro, e pela gravação feita por
Bernardo Cerveró, filho de Nestor, o diretor da Petrobras preso em
Curitiba, o senador apontou que tivera acesso antecipado aos termos da
(então futura) delação de Cerveró e também à de “Fernando”.
Posteriormente a PF encontrou, segundo a imprensa, uma versão da delação
de Fernando Soares, o Fernando Baiano, apontado como lobista ligado ao
PMDB nessa história toda, no gabinete de Delcídio no Senado.
O
vazamento de delações é um problema não apenas jurídico (pode anular um
processo mais para frente, quando a opinião pública já estiver com a
cabeça alhures), mas também de princípio. As delações foram muito
utilizadas na Operação Mãos Limpas, na Itália, nos anos 1990. Os
investigadores as utilizam segundo os ditames do “dilema do
prisioneiro”. Algo assim: o preso A, recluso, não sabe o que o suspeito B
dirá a respeito do ilícito. Logo o prisioneiro A calcula o que falará,
entregando, em tese, informações verdadeiras com o intuito de sofrer a
menor punição possível. Não faz parte do DNA da delação que o preso A
mande recados públicos para o suspeito B, ou a quem quer que seja, pois
isto quebra a própria eficácia investigativa da delação. Boas
investigações são feitas em silêncio. Do contrário, é como chegar a uma
caçada na floresta dando tiros para o alto. A que serve?
Mas a
coisa não é tão simples. Assim como ocorre na Lava Jato, a italiana Mãos
Limpas se favoreceu da circulação seletiva de informações, via
imprensa, para pressionar os envolvidos – quer presos ou ainda não – a
ampliarem a sua colaboração ou simplesmente a contarem o que sabiam. Foi
uma estratégia. Algo assim, e no caso da Itália: a circulação de
versões (mesmo que não inteiramente verdadeiras, não importa) ajuda a
quebrar o pacto de silêncio dos envolvidos. Deslegitimar a organização
criminosa (o que no Brasil parece se confundir cada vez mais, nos
ditames da Lava Jato, com o sistema político como um todo), foi, na
Itália, uma meta ao mesmo tempo que uma condição para o avanço das
investigações.
Sobre esta estratégia de investigação na
Itália, escreveu o juiz Sérgio Moro, em artigo de 2004 (Considerações
sobre a Operação Mani Pulite), ao citar o autor Donatella Porta:
“A
estratégia de investigação adotada desde o início do inquérito submetia
os suspeitos à pressão de tomar decisão quanto a confessar, espalhando a
suspeita de que outros já teriam confessado e levantando a perspectiva
de permanência na prisão pelo menos pelo período da custódia preventiva
no caso da manutenção do silêncio ou, vice-versa, de soltura imediata no
caso de uma confissão (uma situação análoga do arquétipo do famoso
“dilema do prisioneiro”). Além do mais, havia a disseminação de
informações sobre uma corrente de confissões ocorrendo atrás das portas
fechadas dos gabinetes dos magistrados. Para um prisioneiro, a confissão
pode aparentar ser a decisão mais conveniente quando outros acusados em
potencial já confessaram ou quando ele desconhece o que os outros
fizeram e for do seu interesse precedê-los. Isolamento na prisão era
necessário para prevenir que suspeitos soubessem da confissão de outros:
dessa forma,acordos da espécie “eu não vou falar se você também não”
não eram mais uma possibilidade”.
Se
Delcídio aceitar jogar pelas regras da Lava Jato, o sistema político
será fortemente abalado, afetando diretamente a barafunda do
impeachment. Opinião pública e judiciário são as pedras angulares da
política brasileira no momento – e não o regimento interno da Câmara,
nem tão pouco as bravatas entre parlamentares. Prever o que vai
acontecer, porém, é tarefa inócua. As bússolas estão espatifadas – à
espera das próximas “bombas”.
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