A presidente Dilma Rousseff afirmou na Assembleia Geral das Nações
Unidas que o país vive um momento "grave"e que os brasileiros saberão
impedir "um retrocesso". A afirmação foi feita ao final de seu
pronunciamento desta sexta (22) na cerimônia de assinatura do Acordo do
Clima de Paris, na sede da ONU em Nova York.
Sem mencionar a palavra golpe, a presidente concluiu seu pronunciamento
centrado no tema climático fazendo um desvio para abordar a crise
política no Brasil.
"Não posso terminar minhas palavras sem mencionar o grave momento que
vive o Brasil. A despeito disso, quero dizer que o Brasil é um grande
país, com uma sociedade que soube vencer o autoritarismo e construir uma
pujante democracia. Nosso povo é um povo trabalhador e com grande
apreço pela liberdade. Saberá, não tenho dúvidas, impedir qualquer
retrocesso", disse.
Ela agradeceu ainda "a todos os líderes que expressaram sua solidariedade".
Dilma falou por mais de sete minutos, mais que o dobro de tempo
recomendado pela ONU. A maior parte foi dedicada ao Acordo de Paris, que
ela classificou como "um marco histórico na construção do mundo que
queremos, com um desenvolvimento sustentável". Ela disse ter "orgulho"
do papel de seu governo para a adoção do Acordo de Paris e assumiu o
compromisso de "assegurar sua pronta entrada em vigor".
A presidente chegou a Nova York na noite de quinta e foi recebida por uma manifestação de brasileiros contra o impeachment
na entrada da residência do embaixador do país na ONU, Antonio
Patriota, onde ela está hospedada. Segundo sua assessoria, sua agenda
inclui um almoço na sede da organização e um encontro com jornalistas
estrangeiros. Ela ainda não decidiu se voltará ao Brasil ainda nesta
sexta ou se deixará o retorno para o sábado.
Integram a comitiva de Dilma e os ministros das Relações Exteriores,
Mauro Vieira, e do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, além do assessor
internacional da presidência, Marco Aurélio Garcia. Um assessor de Dilma
negou que ela tenha decidido participar da cerimônia para denunciar o
golpe na tribuna da ONU. Reconheceu que a vinda a Nova York estava
relacionada com seu desejo de se defender contra o impeachment, porém de
modo mais sutil, ressaltando um ponto positivo de seu governo
relacionado a um tema global.
CERIMÔNIA
Segundo a ONU, 165 países indicaram que assinarão nesta sexta o Acordo
de Paris, adotado em dezembro de 2015. Será o maior apoio já demonstrado
a um pacto na ONU. O recorde anterior havia sido estabelecido no
Tratado do Mar, em 1982, com a assinatura de 119 países.
O Acordo de Paris
entrará em vigor quando houver a ratificação de ao menos 55 países, que
representam 55% das emissões globais de gases poluentes.Os demais
países (a ONU tem 193 membros) terão até 17 de abril para assinar o
pacto do clima.
"Estamos numa corrida contra o tempo. Exorto os países a ratificarem o
acordo o o mais breve possível", disse Ban Ki-moon, secretário-geral da
ONU. "Juntos, vamos transformar as aspirações de Paris em ação".
A cerimônia foi aberta com uma breve apresentação musical, aos acordes
das Quatro Estações, de Antonio Vivaldi. O primeiro dos chefes de Estado
a falar foi o presidente da França, François Hollande, que lembrou as
dificuldades enfrentadas pelos países para chegar a um consenso em Paris
e repetiu o apelo de Ban para que as promessas sejam convertidas em
soluções.
Hollande lembrou que a o planeta tem registrado as mais altas
temperaturas dos últimos cem anos e as consequências das mudanças
climáticas são graves e reais, como a fome na África e desastres
naturais. "Há urgência e lógica no acordo que adotamos em Paris", disse
Hollande. "Não é só uma questão para os Estados. Todos tem
responsabilidade".
Veja a íntegra do discurso da presidente Dilma Rousseff:
Senhor secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon,
Senhor presidente da França e presidente da COP21, presidente François Hollande,
Senhoras e senhores chefes de Estado e de governo participantes dessa cerimônia de assinatura do Acordo de Paris,
Senhoras e senhores integrantes de delegações,
Senhoras e senhores,
Com imensa honra e emoção, venho a Nova Iorque, hoje, no Dia da
Terra, assinar o Acordo de Paris sobre a Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre a Mudança do Clima, um acordo universal.
Sua conclusão exitosa, em dezembro de 2015, representou um marco
histórico na construção do mundo que queremos: um mundo de
desenvolvimento sustentável para todos, com o cumprimento das metas
estabelecidas na Agenda 2030. O êxito deve muito à atuação do governo
francês, à judiciosa e paciente construção do acordo pelo presidente
François Hollande e também ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
Tenho orgulho do trabalho desenvolvido pelo meu governo e pelo meu
país para que, coletivamente, chegássemos a esse acordo. Tenho orgulho
de nossa contribuição e da contribuição de todos os países e da
sociedade internacional. Agradeço o esforço e o trabalho incansável da
equipe de negociadores do Brasil, chefiada pela nossa ministra do Meio
Ambiente, Izabella Teixeira.
Nós, países participantes, demos respostas firmes e decisivas aos
imensos desafios apresentados pela construção de um amplo consenso,
consenso necessário para o enfrentamento das mudanças do clima.
Hoje, ao lado de todos os chefes de Estado e de governo aqui
presentes, assumo o compromisso de assegurar a pronta entrada em vigor
do Acordo no Brasil e mais uma vez saúdo a todos por essa histórica
conquista da humanidade.
O caminho que teremos de percorrer agora será ainda mais desafiador:
transformar nossas ambiciosas aspirações em resultados concretos.
Realizar os compromissos que assumimos irá exigir a ação convergente de
todos nós, de todos os nossos países e sociedades, rumo a uma vida e a
uma economia menos dependentes de combustíveis fósseis, dedicadas e
comprometidas com práticas sustentáveis na sua relação com o meio
ambiente.
Países em desenvolvimento, como o Brasil, têm apresentado resultados
expressivos na redução das emissões e se comprometeram com metas ainda
mais ambiciosas.
O desafio de enfrentar a mudança do clima torna imprescindível o
aumento progressivo do nível de ambição dos países desenvolvidos. Exige,
de forma contínua, a mobilização de meios de implementação adequados,
para que os países em desenvolvimento tenham suporte e sigam
contribuindo para os esforços globais de mitigação e adaptação.
É fundamental ampliar o financiamento do combate à mudança do clima para além do compromisso de US$ 100 bilhões anuais.
É indispensável criar meios de reorientar os fluxos financeiros
internacionais de modo permanente para apoiar ações que representem
soluções para o problema global e promovam também benefícios de
adaptação, saúde pública e desenvolvimento sustentável.
É necessário, ainda, que o setor privado desenvolva um esforço robusto de redução de emissões.
Senhoras e senhores,
Ao reiterar o compromisso do Brasil com os objetivos do Acordo de
Paris, quero assegurar que estamos perfeitamente cientes que firmá-lo é
apenas o começo. A parte mais fácil.
Meu país está determinado a intensificar ações de mitigação e de
adaptação. Anunciei aqui, durante a Cúpula da Agenda de Desenvolvimento
2030, a contribuição brasileira de 37% de redução dos gases de efeito
estufa até 2025, assim como a ambição de alcançarmos uma redução de 43%
até 2030 - tomando 2005 como ano-base em ambos os casos.
Alcançaremos o desmatamento zero na Amazônia e vamos neutralizar as
emissões originárias da supressão legal de vegetação. Nosso desafio é
restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas e outros 15
milhões de hectares de pastagens degradadas. Promoveremos também a
integração de 5 milhões de hectares na relação lavoura-pecuária e
florestas.
Todas as fontes renováveis de energia terão sua participação em nossa matriz energética ampliada até alcançar 45% em 2030.
Continuaremos contando com a contribuição e a participação de todos
os setores de nossa sociedade, que estão conscientes da amplitude do
desafio, e com a necessidade de deixar este legado às futuras gerações.
Senhoras e senhores,
Meu governo traçou metas ambiciosas e ousadas porque sabe que os
riscos associados aos efeitos negativos recaem fortemente sobre as
populações vulneráveis de nosso país e do mundo quando nós não tomamos
medidas corretas para a contenção da mudança do clima.
Essa preocupação deve ser compartilhada agora e por todos nós. Sem a
redução da pobreza e da desigualdade não será possível vencer o combate à
mudança do clima. E esse combate tampouco pode ser feito à custa dos
que menos têm e menos podem.
Essa é uma das razões pelas quais o conceito de desenvolvimento
sustentável precisa ser referência permanente de nosso projeto comum.
Incluir, crescer, conservar e proteger: eis a síntese alcançada na
Conferência Rio+20, realizada no Brasil em 2012.
Senhoras e senhores,
Não posso terminar minhas palavras sem mencionar o grave momento que
vive o Brasil. A despeito disso, quero dizer que o Brasil é um grande
país, com uma sociedade que soube vencer o autoritarismo e construir uma
pujante democracia. Nosso povo é um povo trabalhador e com grande
apreço pela liberdade. Saberá, não tenho dúvidas, impedir quaisquer
retrocessos.
Sou grata a todos os líderes que expressaram a mim sua solidariedade.
Muito obrigada.
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