Depois de ganhar quatro eleições nacionais consecutivas – sendo a última há apenas 18 meses –, o PT deixará a Presidência da República nas próximas horas. Seus oponentes, que tentaram vigorosamente derrotá-lo nas urnas e fracassaram, conseguiram uma outra forma de chegar ao poder. O que acontece agora? A análise é de Glenn Greenwald, vencedor do Pulitzer
Glenn Greenwald*, The Intercept
Em 2002, o Partido dos Trabalhadores (PT), de centro-esquerda, chegou à presidência depois da expressiva vitória de Lula da Silva sobre o candidato de centro-direita do PSDB (ao longo do ano de 2002, os “mercados” ficaram indignadoscom a mera possibilidade de vitória do PT).
O PT permaneceu no poder quando Lula, em 2006, foi reeleito com outra expressiva vitória contra
um candidato diferente, também do PSDB. Os inimigos do PT pensaram que
teriam sua chance de acabar com o partido em 2010, quando Lula não podia
mais disputar as eleições por limites legais, mas suas esperanças foram
esmagadas quando a sucessora escolhida por Lula, a anteriormente
desconhecida Dilma Roussef, ganhou com uma vantagem de 12 pontos, do mesmo candidato do PSDB que foi derrotado por Lula em 2002.
Em 2014, os inimigos do PT investiram enormes quantias de dinheiro e
recursos para derrotá-la, acreditando que ela estaria vulnerável e que
finalmente teriam encontrado um candidato bem-aventurado no PSDB, mas
perderam novamente, dessa vez numa eleição apertada, quando Dilma foi reeleita com 54 milhões de votos.
Em resumo, o PT ganhou quatro eleições nacionais consecutivas – a
última há apenas 18 meses. Seus oponentes tentaram vigorosamente
derrotá-lo nas urnas e fracassaram, em grande parte por conta do apoio
que o PT tem entre os pobres e os trabalhadores no Brasil.
Então, se você é um plutocrata dono dos maiores e mais influentes
meios de comunicação, o que você faz? Você ignora a democracia por
completo – afinal, ela segue empoderando candidatos e políticas que o
desagradam – explorando seus meios para incitar distúrbios e depois
implantar um candidato que jamais seria eleito por conta própria, mas
que seguirá fielmente sua agenda política e ideologia.
Isso é exatamente o que o Brasil fará hoje. O Senado brasileiro
votará à tarde a admissibilidade do processo de Impeachment iniciado na
Câmara, que resultará no afastamento automático da Presidente Dilma até o
fim do julgamento.
Seu sucessor será o Vice-Presidente Michel Temer, do PMDB. Ele está
submerso em corrupção: foi acusado por delatores de envolvimento em um
esquema ilegal de compra de etanol, acaba de ser considerado culpado, e
multado, por irregularidades nos gastos de campanha, e enfrenta a apenas 2% dos brasileiros o apoiariam como presidente, e quase 60% querem seu impeachment. Mas ele servirá fielmente aos interesses dos ricos do Brasil: ele está planejando indicar executivos do Goldman Sachs e do FMI para controlar a economia e instalar uma equipe neoliberal sem nenhuma representatividade (composta em parte pelo mesmo partido – PSDB – que perdeu quatro eleições seguidas para o PT).
Nada disso é uma defesa do PT. Este partido – como o próprio Lula reconheceu em entrevista concedida a mim –
está cheio de casos de corrupção. Dilma falhou como presidente em
aspectos cruciais, e é extremamente impopular. Por muitas vezes se alinharam e serviram às elites do país em detrimento dos mais pobres, que são sua base de apoio. O país está sofrendo com a economia e em muitos outros aspectos.
Mas a solução para isso é vencê-los nas urnas, não simplesmente
removê-los e colocar em seu lugar alguém mais conveniente aos interesses
dos ricos. Apesar dos danos que o PT está causando ao país, os
plutocratas e seus jornalistas-propagandistas e a corja de bandidos em
Brasília que arquitetam essa farsa são muito mais nocivos. Eles estão
literalmente destruindo a democracia do quinto maior país do mundo.
Mesmo a The Economist – que é hostil aos mais moderados partidos de esquerda, odeia o PT e quer a renúncia de Dilma – denunciou o impeachment como um “pretexto para a deposição de uma presidente impopular” e apenas duas semanas atrás alertou que “o
que é alarmante é que aqueles que estão trabalhando pela remoção dela
são, em muitos aspectos, piores”. Antes de se tornar um agente ativo de
sua própria ascensão, o próprio Temer disse, no ano passado, que “o impeachment é impensável, geraria uma crise institucional. Não tem base jurídica em nem política.”
A maior fraude é o fato de que as elites da mídia estão justificando
tudo isso em nome da “corrupção” e da “democracia.” Como alguém com um
mínimo de razão pode acreditar que se trata de “corrupção” quando estão
prestes a instalar na presidência alguém muito mais implicado em
problemas de corrupção que a pessoa que está sendo removida, e quando as
facções que estão ascendendo ao poder são indescritivelmente corruptas?
E se estivessem realmente preocupados com a “democracia”, por que
também não impedem Temer e convocam novas eleições, deixando os eleitores decidirem quem deve substituir Dilma? A resposta é óbvia: novas eleições provavelmente resultariam em uma vitória de Lula ou outros candidatos que não os agradam, por isso seu maior temor é deixar que a população brasileira decida quem vai governa-la. Essa é a própria definição de destruição da democracia.
Para além da óbvia importância global deste assunto, a razão pela
qual eu dediquei tanto tempo e energia escrevendo sobre estes eventos é
porque tem sido espantoso – e irritante – assistir ao desenrolar dos
acontecimentos, particularmente a forma pela qual os meios dominantes de
comunicação, dominados por um pequeno grupo de famílias muito ricas,
sufocam qualquer pluralidade de opinião. Ao invés disso, como disseram os Repórteres Sem Fronteiras neste mês:
“De maneira pouco velada, os principais meios de comunicação do país
incitaram o público a auxiliar na derrubada da Presidente Dilma
Rousseff. Os jornalistas que trabalham para estes grupos estão
claramente sob influência dos interesses privados e partidários, e esses
conflitos permanentes de interesses estão em óbvio detrimento da
qualidade de suas reportagens.”
Como alguém que vive no Brasil há 11 anos, tem sido inspirador e
revigorante assistir a um país de 200 milhões de pessoas se livrar dos
grilhões de 21 anos de uma ditadura militar de direita (apoiada pelos
EUA e pelo Reino Unido) e amadurecer para se tornar uma jovem e vibrante
democracia, e prosperar sob ela. Constatar como isso pode ser rápida e
facilmente revertido – eliminando todos os valores da democracia
mantendo apenas seu nome – é ao mesmo tempo triste e assustador. É
também uma lição para todos que, em países do mundo todo, ingenuamente
presumem que as coisas continuarão como estão e que a estabilidade e o
progresso estão garantidos.
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