Povo de Brasília começa gritando "Brasil" e termina com aplausos ao Iraque. Novo capítulo da relação conturbada tem mais carinhos até para invasor e tambor iraquiano
Uma “DR” interminável. Assim caminha a relação da seleção
brasileira de futebol com seu torcedor. A sigla é usada para casais que “Discutem
Relação”, é o rótulo de uma conversa chata que, em vez de soluções, pode
culminar em feridas ainda mais abertas. Jorrou sangue na “DR” da seleção olímpica com o público de
Brasília. O Mané Garrincha presenciou um dos mais bizarros climas já vividos
num estádio. As mais de 69 mil pessoas louquinhas para apoiar, delirantes no
grito inicial de “Brasil, Brasil”, 90 minutos depois cantavam o nome do Iraque
a plenos pulmões, como se fosse uma atitude birrenta para causar ciúme.
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Há muito tempo teme-se as reações da torcida quando a Seleção
joga em casa. Depois do 7x1 isso se acentuou. A paciência é curta, o pavio é
curto, dos dois lados. Como em alguns casais que discutem relação, não há mais
a menor confiança de parte a parte. O jogador não se sente à vontade para errar
o primeiro chute, pois sabe que será marginalizado. E a torcida se julga
desprezada pelo pouco caso de quem está em campo. A autoestima foi para o
buraco.
Neymar depois de má atuação pela seleção brasileira no empate com o Iraque: 0 a 0 (Foto: Reuters)
Se o torcedor da Seleção não tem o costume de torcer, os
sons marcantes do Mané Garrincha foram os mais variados. Destaque, o DJ tocou o
tema de “Star Wars – Guerra nas Estrelas”, hits-anos 90 como a música do
Pimpolho e Claudinho e Buchecha, tentou incendiar com Wesley Safadão. Mas o som
que ecoou forte foram os pedidos por Marta, camisa 10 da seleção feminina,
depois dos repetidos erros de Neymar, o 10 masculino.
Em pequeno número, os iraquianos, quem diria, fizeram muito
barulho. Pelo menos até o COI (Comitê Olímpico Internacional) e a Polícia
Militar tirarem um tambor do torcedor. Os brasileiros, que não estavam muito
pacientes com seu time, tentaram defender. Pediram em coro que o instrumento
ficasse. Em vão. A empatia Brasil-Iraque se criou desde cedo no Mané.
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Vaias para Renato Augusto, aplausos para o invasor. Difícil
ser racional numa “DR”. O meia que parece perder capacidade de competir em
altíssimo nível a cada mês que passa no futebol chinês, foi crucificado pelo
povo de Brasília. Depois de perder um gol sem goleiro nos últimos minutos,
então, ainda apareceu no telão do estádio. Uma crueldade.
Renato Augusto não se conforma com gol perdido no fim da partida, no Mané Garrincha (Foto: Agência Reuters)
Por outro lado, o sujeito que, sabe-se lá se em protesto,
embriagado ou realizando um sonho, desfilou sem camisa até ser parado por quatro
seguranças, deixou o campo carregado e ovacionado. Valia tudo para esboçar o
descontentamento com a seleção: aplaudir o Iraque, as meninas do futebol, o
invasor...
O Brasil tinha, evidentemente, obrigação de vencer o Iraque,
independentemente de qualquer reação do público. Mas não teve maturidade
suficiente para encarar a desconfiança, própria e alheia. E largou os
conceitos, as ideias, o conjunto. Exceto 20 bons minutos finais de primeiro
tempo, nos outros 70 adotou estratégias pouco inteligentes, como sair correndo
para cima do marcador como se ele fosse um fantasma ou insistir em cruzamentos
para um time de baixinhos.
Rogério Micale mostrou-se preso. Às limitações de seu grupo,
que tem apenas Rafinha – em más condições físicas – e Luan para mudar
ofensivamente um jogo – embora, justiça seja feita, o lateral-direito William
tenha entrado muito bem –, e a algo desconhecido que o impediu de trabalhar na área técnica
como havia feito no amistoso e na estreia. Micale passou quase o tempo todo no
banco de reservas. Saiu para reclamar com o árbitro e discutir com o técnico
iraquiano em razão da catimba excessiva do rival.
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Luan no lugar de Felipe Anderson, outra vez, não funcionou.
Só deu certo contra a África do Sul com um a menos, o que relativiza bastante o
efeito da substituição. Com nove minutos, Micale voltou ao esquema habitual,
com três atacantes de origem (Neymar, Gabriel e Luan), mas teve no meio-campo
dois jogadores cuja parte física tem sido um empecilho: Rafinha e Renato
Augusto. Felipe Anderson, mesmo sem brilhar, faz falta no setor. A
substituição, sempre a mesma, pode e deve ser repensada.
Some tantos problemas às péssimas noites individuais de
Neymar e Gabriel Jesus, e desperte a ira de uma torcida, transforme um jogo de
futebol numa tourada.
Em Brasília, o povo mudou de lado durante o
jogo. O próximo encontro está marcado para Salvador: quarta-feira, às
22h,
contra a Dinamarca. Costuma ser um público mais acolhedor. Mas a
seleção, que precisa de uma vitória para se classificar às quartas de
final dos Jogos Olímpicos, também
terá de saber se comportar na casa deles.
Empolgação do momento do hino nacional transformou-se em ira durante o jogo (Foto: Lucas Figueiredo / MoWA Press)
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