Dinheiro será usado em auxílios para moradia, combustível, educação e transporte de servidores públicos
RIO - Enquanto o estado tenta aprovar, em meio à calamidade
financeira, um pacote de austeridade que extingue programas sociais e
atinge salários, Judiciário, Ministério Público, Legislativo, Tribunal
de Contas — e o próprio Executivo — mantêm intocados benefícios que, na
proposta orçamentária para 2017, deverão ultrapassar R$ 2,1 bilhões. O
dinheiro será gasto com auxílios para moradia, combustível, educação e
transporte, entre outros, que estão respaldados por lei e que favorecem
da base dos servidores aos deputados, passando por procuradores e
desembargadores. O valor equivale a 35% dos R$ 5,9 bilhões que o governo
quer arrecadar com o aumento da alíquota e a criação de uma
contribuição previdenciária suplementar para o funcionalismo. É ainda 28
vezes maior do que os R$ 74,1 milhões que o estado espera economizar
com a extinção do aluguel social. A conta é grande e, ao mesmo tempo,
discreta: prova disso é que a Assembleia Legislativa (Alerj) não informa
o total de sua despesa com esses benefícios.
É
certo que a ajuda não chega a ser pomposa para todos. Assim como as
remunerações variam de acordo com os cargos, os benefícios se
diversificam conforme o nível de poder. Nessa matemática seletiva, um
professor da rede estadual tem R$ 158 mensais de auxílio-alimentação (R$
7,18 por dia útil). Um funcionário do Tribunal de Justiça recebe bem
mais: R$ 1.050 por mês (R$ 47,72 diários). E, se for um magistrado, o
benefício chega a R$ 1.825 (R$ 82,95 por dia).
Uma única juíza da Região dos Lagos recebeu, em agosto, benefícios
que resultaram num acréscimo de R$ 11,6 mil em seu salário bruto, de
aproximadamente R$ 28 mil. Ao todo, 854 magistrados e 900 funcionários
do Ministério Público têm direito a R$ 4.377,73 mensais de
auxílio-moradia. O benefício também é concedido — em valor menor, R$
3.189,85 — a 11 deputados que moram a mais de 150 quilômetros da capital
do estado. E todos os 70 parlamentares fluminenses contam com um cartão
para gastar R$ 2.970 em combustível por mês. Eles ainda têm, em tempos
de e-mail, uma cota mensal de mil selos para envio de correspondências.
— Isso é incoerente. O estado tenta fazer ajustes e não mexe nos
auxílios? Se precisamos sacrificar, vamos sacrificar todo mundo, não só
aqueles que eventualmente têm um rendimento menor. Alguns desses
auxílios são, na prática, complementos salariais, como o caso do
auxílio-moradia — diz o especialista em direito previdenciário Theodoro
Agostinho.
O advogado Carlos Jund, da Federação das Associações e dos Sindicatos
dos Servidores Públicos (Fasp), também vê no pagamento de benefícios
uma forma de salário indireto:
— Os benefícios variam de categoria para categoria. São auxílios de
natureza indenizatória que não entram no cálculo do teto salarial. Há
categorias que precisam recebê-los, o objetivo é evitar que o setor
público perca profissionais para o setor privado. O que contesto é a
camuflagem do sistema de pagamentos.
MP e TJ: ajuda de R$ 1,1 bilhão
A previsão de
gastos com benefícios para 2017 está embutida na proposta orçamentária
do estado, que ainda não foi aprovada e que deverá ser revista após a
votação do pacote de austeridade do governo. Mas há poucos detalhes
sobre auxílios no projeto de lei enviado à Alerj. Para levantá-los,
repórteres do GLOBO precisaram vasculhar os sites das instituições que
os concedem e buscar dados junto aos poderes.
As informações disponíveis revelam que o Ministério Público e o
Tribunal de Justiça são generosos: no ano que vem, planejam destinar ao
pagamento de auxílios 28,7% e 26,7%, respectivamente, de suas despesas
com pessoal e encargos sociais. O MP estima gastar R$ 293 milhões em
benefícios, ou 18,76% de seu orçamento de R$ 1,561 bilhão.
Pela proposta do TJ, dos R$ 4,66 bilhões de despesas previstas para o
próximo ano, R$ 808,65 milhões (17,3% do total) são para assegurar
benefícios. Desse valor, R$ 153 milhões têm como fonte o tesouro
estadual. Outros R$ 655,65 milhões sairiam da receita própria —
remuneração paga pelo Banco do Brasil para ter exclusividade na
administração dos depósitos judiciais (0,27% do saldo médio mensal).
Só em auxílios para magistrados, a despesa prevista é de R$ 137,3
milhões. Juízes e desembargadores, que não ganham menos de R$ 27 mil
brutos, recebem, em geral, mais benefícios que os servidores lotados no
TJ. Em média, cada um ganhou, na folha de agosto, cerca de R$ 7,8 mil
brutos em ajuda de custo para transporte e mudança, auxílio-alimentação,
moradia e educação, além de indenizações de transporte e por dias de
compensação de plantão não usufruídos (repouso remunerado).
No Executivo, benefícios minguados
Os
servidores do TJ têm situação mais confortável que a de outros
funcionários do estado. Mesmo assim, reina o descontentamento. Há dez
anos como técnica judiciária, Marluce do Nascimento diz que, apesar dos
auxílios, é difícil sobreviver com o que ganha.
— Recebemos outubro em três parcelas, por conta dos arrestos nos
cofres do estado. Estamos sem reajuste há dois anos. Querem congelar
nossos salários por mais dois. Também acumulamos perdas com a inflação —
reclama Marluce, que compara seus benefícios aos dos magistrados: —
Tudo bem que tenham salários superiores ao nosso, mas eles ganham mais
auxílios.
Em valores absolutos, é o Executivo que paga mais benefícios: estão
previstos R$ 961 milhões em auxílios para 2017. Mas trata-se também do
poder com maior número de servidores: 467.516, somando ativos, inativos e
pensionistas. Em geral, eles recebem valores bem mais baixos que os do
TJ. Dos órgãos da administração direta do governo, o que oferece o maior
auxílio-alimentação é a Polícia Civil, que repassa R$ 263,89 (R$ 12 por
dia útil) a cada funcionário.
Agente do Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas (Degase),
Eduardo Pereira Neto conta que os auxílios que recebe são tão pequenos
que passam até despercebidos no contracheque.
— Trabalhamos sob constante risco e não temos sequer adicional de
insalubridade. Lidamos com jovens que estupram e matam — reclama
Eduardo, que mora com a mulher e dois enteados em São Gonçalo e que, há
dois anos no Degase, recebe R$ 2.500 líquidos. — Para nossa salvação,
minha esposa trabalha como gerente num posto de gasolina.
Há discrepâncias dentro do Executivo. Dos 33 órgãos da administração
direta, apenas as secretarias de Segurança, Saúde, Educação e
Administração Penitenciária, além de Degase, polícias Civil e Militar e
Corpo de Bombeiros têm direito ao auxílio-alimentação. O benefício é
concedido a quase todas as autarquias, fundações e empresas do estado.
Na Alerj, a ajuda para a alimentação é de R$ 40 por dia útil.
Funcionários com filho de até 24 anos matriculado numa escola ou
faculdade, pública ou privada, têm direito a uma bolsa de reforço
escolar de, no mínimo, R$ 1.052,00 (valor bruto). De janeiro a agosto,
só esse benefício custou R$ 34,7 milhões à Casa.
Assim como a Alerj, a Defensoria Pública não informou os gastos
previstos com auxílios em 2017. Já o TCE estipula uma despesa de R$ 62,7
milhões com benefícios no próximo ano.
TJ diz que benefícios estão previstos em lei
Apesar
da conta bilionária referente ao pagamento de auxílios, os órgãos do
estado se defendem. Dizem que seguem as leis e que até estão reduzindo
os gastos com esses benefícios. O Tribunal de Justiça, que abriu seus
números em detalhes, alega que os diferentes tipos de ajuda recebida por
seus magistrados e servidores decorrem de legislações específicas. Por
meio de uma nota, afirma que “o Judiciário sempre irá observar suas
dotações orçamentárias e os rígidos limites imputados na Lei de
Responsabilidade Fiscal”. Além disso, lembra que auxílios para moradia e
alimentação não são exclusivos de magistrados — também os recebem
funcionários do Ministério Público, do Tribunal de Contas e da
Assembleia Legislativa.
Com auxílio-moradia para seus juízes e desembargadores, o Tribunal de
Justiça gastou de janeiro a outubro deste ano R$ 37 milhões. No total,
nos dez primeiros meses de 2016, os magistrados receberam ainda R$ 15,5
milhões para alimentação; R$ 2,5 milhões de auxílio pré-escolar (para
aqueles que têm dependentes até 7 anos), R$ 4,49 milhões de
auxílio-educação e R$ 7,47 milhões de indenização com transporte
(magistrados de primeiro grau).
Para o ano que vem, o tribunal prevê um gasto total de R$ 50 milhões
com moradia para os magistrados. Para todos os funcionários, o TJ ainda
destinará R$ 22 milhões à alimentação, R$ 3,5 milhões ao auxílio
pré-escolar, R$ 10,5 milhões ao transporte e R$ 7,3 milhões à educação.
Os valores provocam críticas entre servidores do Executivo.
— Que o Judiciário continue a receber auxílios, mas que nos paguem os
mesmos benefícios — diz Marta Moraes, coordenadora do Sindicato
estadual dos Profissionais do Ensino (Sepe).
Diretor do Sindicato dos Médicos, José Antônio Romano reclama que
profissionais de saúde estão há 18 anos sem aumento real de salário:
— Há marajás nos outros poderes. Sobram auxílios para creche,
transporte, alimentação... Nenhum médico do estado tem tantos direitos.
Alerj e MP tentam reduzir despesas
Na defesa
de seus gastos, o Ministério Público e a Assembleia Legislativa
afirmaram que têm tomado medidas para reduzir todas as suas despesas,
inclusive com benefícios. Ao não informar o total que planeja pagar em
2017 com auxílios a servidores e deputados, a Alerj argumentou, por
e-mail, que em seu orçamento não consta a rubrica “despesas com
benefícios”. Porém frisou que tem feito revisões nas ajudas concedidas.
A Casa informou, por exemplo, que a cota de selos à qual cada
deputado tem direito caiu de três mil para mil. Alegou também que o
cartão- combustível dos parlamentares está congelado em R$ 2.970 desde a
legislatura anterior. Foi estabelecido ainda um limite de duas bolsas
de reforço escolar, no valor de R$ 1.052 cada, a funcionários com filho
de até 24 anos de idade matriculado em creche, escola ou faculdade. No
entanto, observando a folha de pagamento de agosto do Legislativo, há
assessores parlamentares e assistentes que recebem R$ 6.314,04 por meio
desse auxílio, o equivalente a seis bolsas.
“Ressalte-se que os salários dos funcionários da Alerj não têm
reajuste desde 2014. As medidas de contenção de gastos geraram economia
de R$ 169 milhões em 2015. Ressalte-se, também, que, entre 2014 e
setembro de 2016, houve redução de 16% no custeio. Isso permitiu à Alerj
fazer uma série de doações ao estado”, destacou a Casa em uma nota.
No total de gastos com pessoal, a Alerj também garante que
economizou: de um orçamento de R$ 862 milhões, gastou R$ 539 milhões até
outubro deste ano. “Em outras palavras, não significa que toda a
despesa prevista para o ano que vem será executada. Ademais, como o
orçamento ainda será votado e aprovado, esses valores (de 2017) devem
mudar”, observou a Alerj.
Já o Ministério Público se limitou a dizer que o Órgão Especial do
Colégio de Procuradores de Justiça aprovou, por unanimidade, a sua
proposta orçamentária para o exercício de 2017, no montante de R$ 1,59
bilhão. A elaboração foi conduzida, segundo um comunicado, “com extrema
atenção ao princípio da eficiência do gasto público” e levando em conta a
crise pela qual passa o estado.
Este ano, o MP assegura que economizará cerca de R$ 220 milhões, pois
executará 88% do orçamento de 2016, previsto em R$ 1,53 bilhão.
Procurados, o TCE e a Defensoria Pública não apresentaram seus argumentos.
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