Apelidado de "homem-bomba" por sua suposta capacidade de implicar
legiões de políticos em corrupção, o ex-presidente da Câmara dos
Deputados Eduardo Cunha tem protagonizado uma ampla especulação de que
poderia fechar um acordo de delação premiada com a operação Lava Jato
para contar tudo o que sabe.
Só há um obstáculo:
investigadores e procuradores dizem que preferem ver Cunha, acusado de
receber 6,5 milhões de dólares em propina no esquema de corrupção na
Petrobras, preso pelo maior tempo possível caso seja condenado.
Eles
só querem fechar um acordo de delação caso o ex-deputado ofereça provas
contra líderes de escalões mais altos ou contra um número
extraordinário de políticos.
"Muitas pessoas e alguns articulistas
dos principais jornais do país andaram falando assim, como se nós
tivéssemos uma obrigação de fechar um acordo com Cunha", disse à Reuters
o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos
principais membros da força-tarefa da Lava Jato, em entrevista em seu
escritório em Curitiba.
"Eu não vou trocar o Cunha por
alguém abaixo dele, eu tenho que trocar por alguém da mesma hierarquia
ou acima dele, essa é a lógica do sistema. A menos que ele venha me
entregar 200 deputados, 200 deputados menores que ele, daí eu até
poderia ter uma multiplicação no sentido quantitativo."
Duas outras autoridades diretamente envolvidas na operação Lava Jato concordam com isso.
Elas
disseram que, a menos que Cunha seja capaz de apresentar indícios
contra ministros do primeiro escalão do governo do presidente Michel
Temer, ou contra o próprio Temer, é improvável que estejam dispostos a
negociar qualquer acordo de delação com Cunha, dada a abrangência dos
crimes que ele é acusado de ter cometido.
"Moralmente fazer um acordo com o Cunha é muito caro", disse uma fonte.
Outra
enfatizou que seria difícil chegar a um acordo de delação com o
ex-presidente da Câmara pelo fato de os procuradores acharem que ele só
mencionaria certos políticos para se vingar por eles terem tirado seu
cargo ou por não o terem protegido de alguma maneira da Lava Jato.
"O
Cunha me parece uma pessoa que fazia extorsões de empresas, e com isso
ele sustentou a sua bancada no Congresso", disse essa fonte. "Eu vou ter
que ver a veracidade, se ele está ocultando ou não está ocultando
crimes de alguns amigos, enquanto ele vai falando de pessoas que viraram
suas inimigas. É um trabalho complicado."
Marlus Arns,
advogado de Curitiba que representa Cunha, não respondeu a pedidos de
comentários sobre qualquer possível acordo de delação ou acusações
contra seu cliente.
Procuradores também acusaram a mulher de
Cunha, Cláudia Cruz, de lavagem de dinheiro, o que aumentou a crença de
que o político do Rio de Janeiro irá fazer muita pressão para ser aceito
como testemunha do Estado e implicar grande parte do establishment
político.
Que ele solte o verbo para os procuradores é a
esperança de muitos brasileiros, que viram com enorme satisfação alguns
dos empresários e políticos mais destacados do Brasil caírem em desgraça
em um país no qual os poderosos desfrutaram de impunidade por corrupção
e outros crimes durante séculos.
"Entendo esse raciocínio.
Mesmo", disse Lima. "Mas a minha dúvida sobre o Cunha é se o que ele
falar vai oferecer provas contra aqueles acima dele, e isso não tenho
certeza que ele pode."
CAMINHO PARA O IMPEACHMENT
Em
fevereiro de 2015, Cunha, membro do PMDB de Temer, que durante uma
década foi o principal parceiro dos governos do PT, desafiou sua própria
coalizão e concorreu com sucesso à presidência da Câmara.
Meros
seis meses depois, ele rompeu formalmente com o governo da então
presidente petista, Dilma Rousseff, dizendo que ela estava usando a Lava
Jato como uma "perseguição política" contra ele.
Como presidente da Câmara, só Cunha poderia permitir o início do
processo de impeachment contra Dilma, acusada de crimes de
responsabilidade fiscal. Ele o fez no começo de dezembro de 2015, poucas
horas depois de deputados do PT anunciarem que votariam pela
continuidade do processo que levou à cassação de Cunha no Conselho de
Ética da Câmara.
Em maio deste ano Dilma foi afastada pelo
Senado em meio à batalha do impeachment e seu vice Temer assumiu em seu
lugar, mas Cunha não se livrou das alegações de corrupção.
Temer
se distanciou de Cunha e se recusou a socorrê-lo, desencadeando
especulações de que o ex-deputado irá tirar do armário todos os
esqueletos de corrupção possíveis do PMDB caso obtenha um acordo de
delação.
O próprio Cunha, pouco antes da votação que cassou
seu mandato, afirmou a jornalistas que apenas criminosos fecham acordos
de delação e que ele não é um criminoso.
Mas isso foi antes de
o Supremo Tribunal Federal (STF) ordenar que seu caso fosse encaminhado
ao juiz Sérgio Moro, o magistrado à frente da Lava Jato na primeira
instância, em Curitiba.
Moro tem a reputação de analisar casos com rapidez, declarar penas severas e não ter suas decisões revogadas por recursos.
Das
84 pessoas condenadas por Moro na Lava Jato, somente uma reverteu a
condenação em instâncias superiores --uma taxa de 99 por cento,
estatística muito bem conhecida por aqueles que são julgados por ele.
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