Estratégia tem sido incluir, nos ganhos,
vantagens, indenizações e gratificações, que oficialmente não entram no
cálculo dos limites legais
RIO - No estado que conta os centavos para pagar seus
compromissos, salários — somados a benefícios — ultrapassam os tetos
legais e inflam as folhas de pessoal dos três poderes. Em tempos de
crise, que leva o governo a tentar aprovar um ajuste fiscal, rendimentos
excessivos se juntam a outros privilégios como auxílios-moradia para
juízes e promotores e coquetéis requintados servidos a deputados nos
salões de festa da Assembleia Legislativa. No Tribunal de Justiça do
Rio, 98,5% dos magistrados — exatamente 848, segundo a folha de agosto —
tiveram vencimentos brutos acima do limite de R$ 33.763 definido
constitucionalmente com base nos ganhos dos ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF). A situação é bem parecida no Ministério Público
estadual, onde esse percentual, em setembro, foi de 98,12% (887 dos 904
promotores e procuradores do órgão). E, mesmo no Executivo, onde o teto é
de R$ 27.074,55 — com exceção das carreiras jurídicas —, salários de
outubro de servidores da Secretaria de Fazenda chegaram a R$ 47 mil e do
Corpo de Bombeiros, a R$ 38 mil.
Levantamento
feito pelo GLOBO mostra que vencimentos do estado têm driblado o teto. A
estratégia tem sido incluir, nos ganhos, vantagens, indenizações e
gratificações, assegurados por leis, que oficialmente não entram no
cálculo dos limites legais. No Tribunal de Contas do Estado (TCE), os
sete conselheiros tiveram, em outubro, indenizações que variaram de R$
4,9 mil a R$ 6,1 mil. No mesmo mês, eles receberam ainda vantagens
pessoais. Em vez dos R$ 30.471,11 de remuneração pelo cargo em si,
acabaram alcançando salários brutos de mais de R$ 60 mil. A média dos
vencimentos dos conselheiros — retirados direitos como férias e abono
permanência (pago a servidores que seguem na ativa mesmo podendo se
aposentar) — foi de R$ 44,4 mil brutos. No fim de ano, há um
presentinho: a gratificação natalina.
‘O TETO VIRA UMA GRANDE FARSA'
O
quadro, que persiste apesar dos sucessivos parcelamentos e atrasos nos
pagamentos de servidores e alimenta protestos, também se vê na Alerj,
que no momento discute o pacote anticrise. Lá, os 70 deputados ganham o
teto para o cargo, de R$ 25.322,25 brutos — 75% do que recebe um
deputado federal. Mas a folha de pagamento disponível no site da
instituição não mostra que são agregados aos salários vantagens como o
auxílio-moradia, de R$ 3.189,85 pago a 11 parlamentares, ou os R$ 2.970
de cartão-combustível a que todos eles têm direito. No quadro de
servidores da Casa, os cinco procuradores do Legislativo tiveram, em
agosto, vencimentos brutos acima de R$ 34 mil, mesmo com o redutor que
incide apenas sobre o salário previsto para o cargo. O valor rompe a
barreira legal porque, após a aplicação do redutor, são feitos os
acréscimos, como a Bolsa Reforço Escolar para dependentes, para se
chegar ao total a ser pago.
Na Defensoria Pública, uma checagem nos salários mostra que
as remunerações podem passar de R$ 50 mil. Também são usados redutores
para enquadrá-las no teto de R$ 33.763. Mas o próprio órgão diz que, com
vantagens eventuais, como indenização por férias renunciadas e
gratificações por acúmulo de função, 7,7% dos 797 defensores receberam
salários líquidos acima do limite em outubro.
Ex-ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e
ex-corregedora Nacional de Justiça, Eliana Calmon defende que todos
esses auxílios e vantagens, hoje de fora da conta, sejam computados no
teto:
— Criam-se leis específicas, e esses benefícios são
omitidos. O teto vira uma grande farsa, uma bagunça. Sobre esses valores
não incide sequer o imposto de renda. O limite é descumprido pelos
tribunais estaduais, o que provoca um efeito cascata. O Ministério
Público e as Defensorias seguem o modelo.
No caso do TJ, O GLOBO constatou que 98,5% de um total de
861 juízes e desembargadores ganharam acima do teto. Para chegar a esse
percentual, foi feito um cálculo conservador, descontando tudo que
pudesse distorcer a conta. Na página do Tribunal na internet, é possível
ver quanto juízes e desembargadores ganham: o jornal excluiu valores
como férias, diárias, gratificações, hora-aula, abono permanência,
parcela autônoma de equivalência, pecúnia, antecipação de 13º salário,
acumulação e substituição de cargo efetivo. As quantias retidas pela
aplicação do redutor do teto constitucional também foram desconsideradas
pela reportagem.
O TJ explica que esses acréscimos são um dos motivos que
levam os vencimentos a ultrapassarem o teto legal. Outra razão, afirma,
seriam pagamentos de débitos atrasados e acumulados pelo estado que
aumentam os valores. O tribunal informa ainda que recorre a receitas
próprias, de seu Fundo Especial, para pagar “praticamente a totalidade
de indenizações a magistrados e servidores”. “É importante esclarecer
que os auxílios são eventuais, condicionados a regras, à situação
específica de cada magistrado e não integram os salários”, diz o
tribunal em nota. Com os descontos considerados pelo GLOBO, foi possível
constatar, entretanto, que em agosto houve pagamento de salário de até
R$ 43.341,30 no Tribunal.
No Ministério Público — excluídos abono permanência,
retenção por teto constitucional, bonificação de férias e remunerações
retroativas/temporárias —, o rendimento mais alto em outubro foi bem
superior: R$ 85.274,79.O MP, porém, afirma que a remuneração de seus
quadros é disciplinada por resolução do Conselho Nacional do Ministério
Público, que estabelece as parcelas que integram ou não o teto
remuneratório.
No TCE, consultar os salários do órgão é missão quase
impossível. É preciso preencher um formulário e esperar um e-mail com
autorização para acessá-los na internet. Quando ficam disponíveis, estão
classificados pelo número da matrícula dos servidores, sem nenhuma
ferramenta de busca. Um ano atrás, já era complicado. Mas O GLOBO
conseguiu mostrar que motoristas-segurança, auxiliares administrativos e
auxiliares de serviço ganhavam salários superiores ao de um juiz em
início de carreira.
Mas, apesar da crise, novos aumentos estão por vir, lembra Hermano Cabernite, especialista em direito administrativo:
— A Comissão de Constituição e Justiça do Senado já aprovou
um projeto de lei que eleva os salários dos ministros do STF em 16,38%.
Primeiramente, o valor sobe para R$ 36.713,88, retroativo a 1º de junho
deste ano. Em janeiro de 2017, os salários na corte máxima do país
poderão chegar a R$ 39.293. O texto seguiu para a Comissão de Assuntos
Econômicos do Senado.
GASTOS COM CARROS E VIAGENS
Salários
altos, no entanto, não são as únicas despesas a engordar os gastos do
estado. Carros oficiais e viagens contribuem para o sufoco. No TJ, 180
desembargadores têm direito a veículo institucional. Conforme o
tribunal, sua frota atual é de 246 carros, comprados por R$ 23 milhões
com recursos de seu Fundo Especial no segundo semestre de 2015.
Já o MP possui 193 veículos de serviço, sendo 25 próprios e
168 alugados por uma diária de R$ 83 para cada um. Sete integrantes do
órgão têm carros de representação. Enquanto isso, no TCE, o gabinete de
cada um dos sete conselheiros dispõe de dois veículos e uma cota mensal
de 500 litros de combustível.
Na Defensoria, é mais difícil ter acesso a um veículo. Os
defensores públicos não têm carros oficiais, com exceção do defensor
público-geral e da corregedora-geral. São 45 carros que compõem a frota
do órgão, utilizados em serviços como inspeções em presídios.
O Executivo diz que está sendo obrigado a fazer cortes, em
terra e no ar. Os quatro helicópteros que costumavam cruzar o céu do Rio
com frequência quase não decolam mais. De janeiro a outubro, foi gasto
R$ 1,29 milhão com eles, e os contratos vigentes estão prestes a acabar,
em janeiro de 2017. Governador e vice-governador têm seus carros. Mas
secretários, desde um decreto de janeiro deste ano, não contam mais com
veículo oficial.
Fora isso, o governo garante que gastou apenas R$ 7.572,55
em viagens do governador Luiz Fernando Pezão e do vice Francisco
Dornelles nos dez primeiros meses de 2016. O MP informou que, até
novembro, gastou, mensalmente, em média R$ 32.446 com viagens aéreas
sobretudo para Brasília. A Defensoria gastou por mês R$ 23.818,09 com
passagens aéreas. Segundo o órgão, as viagens de defensores são para
cursos, seminários e reuniões de trabalho, sendo “custeadas pelo Fundo
Especial da Defensoria Pública Geral do Estado, que é formado por 5% das
custas extrajudiciais”.
No TCE, embora haja a previsão de gastos com passagens e diárias para conselheiros, não houve solicitações desse tipo este ano.
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