Brasil

PEC 241 Tudo sobre o teto de gastos








Sem ele, o desemprego explode e a pobreza dispara. A PEC do Teto exigirá sacrifícios – mas provoca um debate realista sobre a economia no país


LUÍS LIMA, BRUNO FERRARI E MARCOS CORONATO, COM CRISTIANE SEGATTO, FLÁVIA YURI OSHIMA, RAFAEL CISCATI E RODRIGO CAPELO 

20/10/2016 - 11h55 - Atualizado 20/10/2016 11h55 


Superávit primário, dívida bruta, ajuste fiscal, despesas de capitalização, créditos extraordinários, déficit previdenciário. Ao longo da última semana, muitos brasileiros tiveram o primeiro contato com alguns desses termos áridos da economia. A razão foi a imensa repercussão da votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que limita as despesas do governo federal, com cifras corrigidas pela inflação, por até 20 anos. A PEC provoca um debate de alta qualidade sobre a economia do país. No momento, é a proposta mais viável para conter a sangria nas contas públicas e a crise econômica.

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A proposta dominou as discussões na imprensa e nas redes sociais. Para um grupo, é a “PEC da salvação” para um país à beira do abismo. Para outro, é a “PEC da morte”, que reverterá os avanços sociais conquistados pelo Brasil ao longo das últimas duas décadas. No Facebook, proliferaram os especialistas em PEC: de economistas respeitados a parlamentares bravateiros, de professores universitários a sites de humor. Todos queriam dar o pitaco sobre o real impacto de impor um teto de gastos por tanto tempo. O leigo em economia que conseguia se livrar de analogias toscas e oportunistas acabava encontrando textos  recheados de hipóteses antagônicas. Mas, afinal, qual será o impacto da PEC? É um remédio amargo e necessário? Ela tira dinheiro da Saúde e da Educação, pune o salário mínimo e beneficia os mais ricos? Como confiar na boa gestão de um Congresso tão mal-afamado? Pensando nas perguntas que surgiram de mais um debate entre posições extremas, ÉPOCA ouviu um time de respeitados especialistas em economia, saúde e educação para responder às perguntas. Confira, nas próximas páginas, 13 perguntas e respostas sobre a PEC 241.

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O que acontece se o país não controlar rapidamente o gasto público?
Vai piorar a crise econômica. A recessão atual já é a mais grave da história, com 12 milhões de desempregados e queda de 7% do PIB entre 2015 e 2016

O país chegou a essa situação, em parte, porque o governo gasta muito mais do que arrecada. No ano passado, o buraco nas contas públicas foi de R$ 115 bilhões, o maior em 19 anos. Se o movimento não for contido, o governo ficará cada vez mais endividado. As consequências são juros em alta, ausência de investimento produtivo, eterna pressão por elevação de tributos e desemprego e desigualdade crescentes. Só neste ano, o rombo deve somar R$ 170,5 bilhões. Em cinco anos, o resultado anual das contas do governo antes do pagamento de juros, o superávit primário, caiu de um saldo positivo de 3,2% do PIB para um saldo negativo de 2,7% do PIB. A única fórmula com efeito rápido à disposição, no momento, é a PEC 241.

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Por que é tão difícil controlar o gasto público no Brasil? (Foto: Ilustrações: Marcos Farrell)
Por que é tão difícil controlar o gasto público no Brasil?
A Constituição Federal de 1988 fez vinculações para proteger áreas como Saúde e Educação. Há outros gastos obrigatórios, como funcionalismo público, pensões e aposentadorias. Juntos, respondem por 80% da despesa total. Dentro dessa fatia, quase metade se destina à Previdência Social e um quinto ao pagamento dos funcionários públicos. Outros 10% são obrigatoriamente destinados à Saúde e à Educação. No fim das contas, resta uma margem pequena, inferior a 20% do orçamento, para o governo realocar recursos. Outro fator é o envelhecimento da população. O número de pessoas em idade de se aposentar cresce quatro vezes mais rapidamente que o de contribuintes. Dentro dessa armadilha, há outra. As aposentadorias e pensões do setor público são desproporcionalmente caras. O funcionalismo consome um quinto de todo o gasto previdenciário federal.

Se a PEC for aprovada, quando as contas públicas estarão em ordem?
Há diferentes cenários. Na projeção otimista, a dívida pública bruta se estabilizará perto de 83% do PIB em 2020. No mais pessimista, ela se equilibrará somente em 2030.

Essa dívida avançou de 53% do PIB em 2010 para 70% atualmente, um nível bem superior à média dos países em desenvolvimento. Sem a aprovação, ela pode atingir 100% em 2020 e continuar a crescer. A estabilização já seria ótima, mas a dívida ainda estaria alta. A redução da dívida está condicionada à possibilidade de baixar os juros (o que depende de a inflação cair e as contas públicas serem controladas) e à conquista de superávits – a economia que o governo faz. Hoje, antes mesmo de pagar os juros, o governo já tem déficit de 3% do PIB. O déficit deve ser zerado entre 2022 e 2024, a depender de aperfeiçoamentos na proposta. A versão atual tem exceções à regra do teto que podem ser revistas, como gastos com eleições, isenções de tributos a empresas, royalties de petróleo e gás e créditos extraordinários (como no combate a tragédias naturais) – que somaram R$ 10 bilhões no ano passado.

É tempo demais engessar o orçamento por dez anos? (Foto: Ilustrações: Marcos Farrell)
É tempo demais engessar o orçamento por dez anos?
O prazo é questionável. Nenhum país no mundo adotou uma regra fiscal assim por tanto tempo. O mais comum é implementar normas distintas, por períodos mais curtos e revisões periódicas. No longo prazo, se a inflação cair e a arrecadação crescer, a regra pode punir a sociedade: o governo economizará muito e  não poderá fazer gastos sociais. Ter saldos positivos nas contas públicas não deve ser um objetivo em si mesmo. Um superávit primário (a economia do governo antes do pagamento de juros) de 2% a 3% do PIB deve bastar para estabilizar a dívida por volta de 85% do PIB, em um cenário de crescimento de 2,5% e inflação por volta de 4,5%. A proposta prevê a possibilidade de revisão da regra a partir do décimo ano, por um projeto de lei complementar (PLP). Nada será simples ou automático. Para o governo, a escolha de um prazo longo é estratégica. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, acredita que um período muito curto teria efeito pequeno  demais sobre as contas públicas.

A PEC obriga o governo a mexer nas aposentadorias?
Sim. A PEC não consertará as contas públicas sem uma reforma da Previdência. Além disso, com um teto para o gasto total, a despesa previdenciária tem de parar de crescer ou avançará sobre as outras áreas. O financiamento do rombo previdenciário consome atualmente 8% do PIB. A PEC promete apenas conter o ritmo de crescimento do gasto global. Mas o governo precisará criar condições reais para cortar gastos de determinadas áreas e aumentar em outras. A Previdência é a candidata natural a sofrer cortes, já que responde por mais de um terço do gasto obrigatório da União e representa dois terços do crescimento de despesas nos últimos 15 anos. Algumas medidas importantes a adotar são o estabelecimento de idade mínima para a aposentadoria, a convergência de regras para homens e mulheres, o fim do acúmulo de benefícios, a revisão das normas para pensão por morte e a aproximação das regras para funcionários públicos e os da iniciativa privada. Será uma reforma difícil.

A Educação perderá dinheiro se a PEC for aprovada?
Sim, mas não por causa da PEC. Aqui cabem três ressalvas. 1) A  PEC abre exceção para a Educação (como para Saúde) e determina um mínimo de gasto obrigatório na área – o investimento do ano anterior, corrigido pela inflação. 2) A PEC só tem efeito direto sobre o que é de responsabilidade do governo federal, como universidades federais, construção de escolas e compra de livros didáticos (não serão afetados, por exemplo, salários de professores de creches, do ensino fundamental e do ensino médio). 3) Com a crise, o dinheiro para a Educação no próximo orçamento diminuiria com ou sem PEC. Nos últimos três anos, a União, a despeito da crise, repassou mais que os obrigatórios 18% da receita. Esse ritmo não seria mantido de jeito nenhum. Com a PEC, haverá uma transição. Em 2017, a regra atual ainda vale: 18% da receita líquida da União vai para a Educação. A partir de 2018, o investimento passa a ser corrigido pela inflação – lembrando que esse é o mínimo obrigatório, e não um teto. Uma análise feita pela Câmara dos Deputados mostra que se a PEC tivesse sido aplicada entre 2010 e 2016 faria com que a Educação recebesse, a cada ano, 10% a 18% a menos do que recebeu. Uma projeção de especialistas alerta que, daqui a cinco anos, com a retomada do crescimento e da arrecadação, a Educação pode perder dinheiro sob a nova regra. Mas a simulação supunha apenas o investimento mínimo obrigatório. A área não pode perder dinheiro – apenas ganhar, se os congressistas decidirem retirá-lo de outras.
O que acontece com a Educação se a PEC não for aprovada? (Foto: Ilustrações: Marcos Farrell)
O que acontece com a Educação se a PEC não for aprovada?
Permanece a regra atual, com obrigatoriedade de o governo federal investir em Educação 18% da receita líquida. Mas essa receita continuará a despencar se a crise prosseguir. Num cenário como o atual, em que a inflação é alta e a arrecadação federal baixa, essa verba encolhe. Estima-se que, nos próximos cinco anos, ela será menor do que a disponível caso a PEC começasse a valer. O governo federal possui duas atribuições financeiras principais com a Educação: 1) A gestão de universidades, institutos e escolas federais, que compromete a maior parte do orçamento. 2) Apoio financeiro a estados e municípios para bibliotecas, informatização, transporte escolar, alimentação, confecção e distribuição de livro didático e na construção de edificações usadas como creches e escolas. Esses repasses são feitos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Se as contas públicas continuarem descontroladas, a crise se aprofundará e o setor vai sofrer mais.

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O que acontece com a Saúde se a PEC não for aprovada? (Foto: Ilustrações: Marcos Farrell)
O que acontece com a Saúde se a PEC não for aprovada?
A Saúde perderá dinheiro enquanto o país não voltar a crescer nem definir prioridades para o sistema público. Em 2016, a União deveria destinar à Saúde pelo menos 13,2% de sua receita corrente líquida. Isso representa R$ 102 bilhões. O valor é insuficiente para sustentar um sistema tão abrangente e complexo como o SUS. A trágica combinação de subfinanciamento, má gestão e desvios torna a saúde pública ineficiente e faz com que, eleição após eleição, ela seja lembrada como uma das maiores preocupações do brasileiro. Não há solução simples. A Saúde brasileira enfrenta um triplo desafio: lida com doenças superadas pelos países ricos nos anos 1960 (como tuberculose e hanseníase); conta com recursos equivalentes aos que as nações desenvolvidas aplicavam em Saúde nos anos 1980; e tem a ambição de acessar os tratamentos e equipamentos mais modernos da medicina do século XXI. Enquanto não houver crescimento econômico, não há razão para imaginar que haverá mais dinheiro para financiar tantas demandas.

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A Saúde perderá dinheiro se a PEC for aprovada?
Num primeiro momento, não. Nos anos seguintes, vai depender do Congresso e do comportamento da economia. A PEC determina que em 2017 a Saúde receberá, no mínimo, 15% da receita líquida do governo federal. A partir do ano seguinte – e pelo menos até 2026, talvez até 2036 –, o valor vai variar de acordo com a inflação, no mínimo. A área é uma exceção (como a Educação): não pode perder verba para outras, apenas receber, sempre respeitando o teto para o total de despesas. O governo sustenta que a mudança garantirá investimento maior para o setor. É uma meia verdade. Em 2017, o investimento mínimo crescerá mesmo: 15% da receita corrente líquida da União, e não mais os 13,7% que haviam sido planejados em 2015. Isso levará cerca de R$ 10 bilhões a mais para a Saúde – R$ 113,7 bilhões contra R$ 103,9 bilhões. Mas em 2014 e 2015, o governo já havia destinado cerca de 15% da receita à área. A aplicação regrediu em 2016. Há também temores quanto aos efeitos da PEC a partir de 2018, caso a inflação caia e a receita governamental aumente. Como o investimento em Saúde não estará vinculado a essas receitas, pode não crescer no mesmo ritmo. O Conselho Nacional de Saúde calcula que, pela regra atual, serão aplicados R$ 138 bilhões em Saúde, no mínimo, em 2020. Pela PEC, a projeção de aplicação mínima será menor, de R$ 130,5 bilhões. Mas essas projeções tratam de um cenário econômico otimista. Com inflação alta ou crescimento baixo, a PEC protege a área de Saúde.

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Se a PEC for aprovada, como o governo passará a definir os gastos?
O Congresso enquadrará todo o gasto público sob um único teto e terá de atribuir prioridades claras. Hoje, cada congressista se sente à vontade para pensar só em sua própria área de interesse – e estamos pensando só nas legítimas, como meio ambiente, segurança, agronegócio e assim por diante. O teto obrigará deputados e senadores a definir prioridades reais nas políticas públicas, em vez de aplicar a enganosa lógica atual, segundo a qual tudo é prioridade. Um passo seguinte à limitação é extrair o máximo de eficiência de cada gasto, o que não ocorre hoje. Áreas que desperdicem não devem ser premiadas com mais verba. Essa nova dinâmica  gera uma preocupação compreensível: o Congresso tem histórico de desconexão com as exigências sociais e conexão excessiva com lobistas. A sociedade terá de monitorar com lupa as decisões dos congressistas e protestar sempre que for necessário.

Ajustar as contas públicas exigirá outras reformas?
Para tapar os buracos da PEC, há ações complementares para ampliar receitas e não fazer o governo depender apenas da reforma da Previdência para cortar gastos. Uma delas é a revisão de contratos de compra de bens e serviços – do cafezinho a grandes licitações. O combate ao desperdício pode render uma economia de até R$ 14 bilhões anuais ao setor público. Repensar as regras de indexação do salário mínimo, como o seguro-desemprego, e aprovar o projeto de securitização da dívida ativa da União, que autoriza a venda de créditos ao setor privado, podem render mais R$ 80 bilhões anuais. Uma quarta possibilidade é a adoção de um limite para a dívida da União – proposta que tramita em regime de urgência no plenário do Senado.
A PEC ajudará o Brasil a crescer, criar empregos e negócios? (Foto: Ilustrações: Marcos Farrell)
A PEC ajudará o Brasil a crescer, criar empregos e negócios?
Não garante, mas ajuda. Ao frear a trajetória explosiva do gasto no país, a PEC coloca as contas em ordem, ampliando a confiança dos agentes econômicos. Ela reforça aos mercados financeiros o comprometimento do país no equilíbrio das contas públicas. No limite, ajuda a atrair mais investimentos e estimula a arrecadação. Mesmo sem a PEC, o PIB do Brasil voltará a avançar no ano que vem, cerca de 1,3%, segundo o último boletim Focus, do BC. A medida seria um catalisador para uma reação da atividade mais forte e sustentável. A medida equilibraria duas variáveis-chave para o crescimento: câmbio e juros.  Uma taxa de câmbio mais depreciada e uma taxa de juros menor favoreceriam a competitividade de diversos setores econômicos, principalmente a indústria.
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A PEC ameaça o salário mínimo e os programas sociais? (Foto: Ilustrações: Marcos Farrell)
A PEC ameaça o salário mínimo e os programas sociais?
Pela PEC, fica vedado o aumento real do mínimo em caso de desrespeito ao teto. A PEC não faz referência específica a programas sociais, como o Bolsa Família, que representa despesa equivalente a apenas 0,4% do PIB. No entanto, eles também terão de se enquadrar sob o teto global. Podem ter aumentos reais, acima da inflação, desde que o avanço seja compensado por cortes em outras áreas. Se a economia for estabilizada e o país voltar a crescer, a geração de empregos reduzirá a pobreza em escala maior que qualquer programa social. Isso ocorreu no período de estabilidade entre os anos 1990 e os anos 2000.
Fontes: Armando Castelar, professor da FGV; Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC; Eduardo Deschamps, secretário da Educação de Santa Catarina; Felipe Salto e Raul Velloso, especialistas em contas públicas; Fernanda Estevan, professora de economia da FEA/USP; Haroldo Correa Rocha, secretário de Educação do Espírito Santo; Marcos Lisboa, presidente do Insper; Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics; Marco Caruso, economista-chefe do Banco Pine; Naercio Menezes Filho, economista do Insper; Marcos Bosi Ferraz, professor de economia e gestão em saúde da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

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