Proposta de mudança das regras tem sido criticada porque é vista como uma forma de o atual comando dos partidos dar sobrevida a lideranças investigadas na Lava-Jato
A atual proposta de mudar o modelo do voto de lista aberta, no qual o
eleitor escolhe os candidatos da sua preferência, para o de lista
fechada, em que o voto é direto nas legendas, contrasta com uma
característica identificada em todas as eleições nacionais desde os anos
1990. O brasileiro já tem a opção de votar nos partidos quando precisa
escolher entre deputados e vereadores, mas poucos seguem essa direção. O
que sempre prevaleceu foi o voto nominal. A proposta de mudança das
regras tem sido criticada porque é vista como uma forma de o atual
comando dos partidos dar sobrevida a lideranças investigadas na
Lava-Jato, e que possivelmente terão dificuldades de pedir votos em
2018.
Organizados pelo Núcleo de Dados do GLOBO, a partir da base do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os números demonstram que a proporção
do voto em legenda foi de 14% para a eleição de deputado federal em
1998. De lá para cá, esse percentual declinou até registrar, em 2014,
apenas 8,4% dos votos válidos. Em números absolutos, a perda entre 1998 e
2014, foi de mais de 1,2 milhão de votos. São eleitores que desistiram
de depositar o voto diretamente nos partidos, abrindo mão de interferir
na ordem dos candidatos que poderiam ocupar uma vaga na Câmara federal.
A proposta de discutir a adoção da lista fechada foi apresentada na
semana passada, após uma reunião entre o presidente Michel Temer e os
presidentes do Senado, Eunício Oliveira, da Câmara, Rodrigo Maia e do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes. A medida já havia sido
rejeitada pela Câmara em 2015, quando apenas 21 deputados votaram a
favor da mudança.
No levantamento feito pelo Núcleo de Dados, o PT e o PSDB
conquistaram cerca de 45% do total de votos de legenda da eleição de
2014 para deputado federal. O PMDB, um dos partidos que lideram o debate
para a mudança das regras, ficou com pouco mais de 9%. Na série, o PT,
que sempre teve um maior volume dos votos de legenda, vem perdendo
espaço para o conjunto dos demais partidos.
O cenário de baixa percentual de votos em legenda soma-se a outro
dado que também contraria a atual proposta. A preferência partidária no
Brasil vem declinando e atingiu a menor média em 2015 e 2016. O índice é
medido em pesquisas de opinião que perguntam para os eleitores se eles
têm preferência ou se identificam com alguma legenda. Nada menos que 70%
afirmaram que não têm preferência por qualquer um dos partidos.
Cientistas políticos consideram razoável o percentual de cerca de 30% de
“alguma preferência” no comparativo com outras democracias. Esse
percentual, no entanto, não tem se traduzido nas urnas, onde ainda
prevalece o voto nos candidatos.
MODELO OLIGÁRQUICO
Para a cientista política Luciana Veiga, da Universidade Federal do
Rio (Unirio), os dados sinalizam que o sistema brasileiro é
personalista, com os eleitores em busca de nomes que representam os seus
interesses locais. Com a lista aberta, ele interfere na ordem dos
candidatos que poderão ocupar uma cadeira na Câmara. Mas o número de
deputados da lista que serão de fato eleitos depende do total de
cadeiras distribuídas para cada partido. Esse número é obtido segundo a
soma dos votos de todos os candidatos de cada legenda.
O voto de legenda no Brasil
— A maior parte dos brasileiros vota norteada por outras informações e
outros incentivos. Vota no deputado que levou recursos para a saúde do
município; que ajudou o prefeito no levantamento de recursos para um
anel viário; no deputado que faz atendimentos de interesses mais
pessoais também. Essa é uma realidade no interior do país, nas
periferias dos grandes centros — observa Veiga.
A cientista política chama atenção para os efeitos da mudança
proposta, mesmo em listas organizadas pelos partidos com a presença de
um candidato da preferência do eleitor.
— O eleitor do deputado localista, acostumado a votar diretamente no
seu candidato, pode sentir o impacto de votar numa lista em que seu
candidato ocupa o enésimo lugar da lista — lembra Veiga.
A professora e cientista política do programa de Pós-Graduação da
Universidade Federal do Rio Grande do Rio (UFRGS) Silvana Krause diz que
o modelo atual, com baixo percentual de votos nas legendas, é resultado
também da lógica da disputa dentro dos partidos. Como os candidatos a
deputado federal precisam disputar com outros colegas do mesmo partido,
as campanhas são centradas nos candidatos:
— Temos uma tradição não partidária e, por não termos uma lista
fechada como única opção, o nível de competição interna é muito grande.
Os candidatos competem entre si. Nesse modelo, não há incentivo para
fazer campanha pelo partido.
Krause chama atenção para os possíveis efeitos da mudança para a
lista fechada. Segundo ela, é preciso olhar o sistema político como um
todo, já que outras variáveis interferem nos resultados.
— Basta lembrar que o nosso sistema é de lista aberta e, mesmo assim,
temos um modelo oligárquico, com as mesmas lideranças ocupando há anos a
estrutura dos partidos. É muito semelhante ao que acontece em outros
países, por exemplo, onde há oligarquia e o voto é em lista fechada. É
preciso ter muita cautela com essas mudanças das regras e os efeitos que
supostamente elas vão gerar porque uma única regra não opera sozinha. É
preciso olhar o sistema político como um todo — diz Krause.
A proposta de alterar regras do sistema eleitoral nasce menos de dois
anos após o Congresso aprovar a minirreforma eleitoral em 2015. A
mudança para a lista fechada teria como principal argumento reduzir os
custos de campanha, medida que já tinha sido incorporada nas alterações
de 2015.Na minirreforma, os deputados reduziram o tempo da campanha
eleitoral de 90 para 45 dias, e acabaram com o financiamento de
empresas. Foram aprovados ainda o limite para a contratação de cabos
eleitorais, de gastos com alimentação e com aluguel de carros, além de
novas regras para a forma de se pedir voto e para a prestação de contas
das campanhas.
Apesar das novas regras, a influência de empresas em campanhas
continuou, em 2016, com o mesmo predomínio de empreiteiras que se via
nas eleições anteriores. Um levantamento feito pela Fundação Getúlio
Vargas (FGV) mostrou que, do conjunto de doadores dos candidatos a
prefeito do Rio de Janeiro, 59 deles doaram, cada um, mais de R$ 30 mil.
Só um deles não era ligado a qualquer empresa. Todos os outros 58 desse
grupo tinham altos cargos em companhias — como sócio, diretor,
administrador ou presidente.
Fonte: Blog do Gordinho
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