Foram
tantos filmes e séries de futuro distópico que, ao que parece, esse cenário
chegou ao mundo real. Com a pandemia do novo coronavírus, o planeta vive um
contexto semiapocalíptico. Em alguns países mais, em outros menos, as escolas
estão sem aulas, os estabelecimentos comerciais foram fechados, o trabalho
virou home office, as ruas estão vazias... Tempos estranhos de isolamento e
quarentena, medo e pânico. Se não houvesse limitação nenhuma (nem financeira,
nem tecnológica) para uma solução realmente global, seria possível derrotar o
vírus?
Com a
ajuda de pesquisadores, a reportagem do UOL levantou seis cenários utópicos
para deter o vírus Sars-Cov-2. Mesmo que eles sejam aqui levados ao extremo —
e, portanto, realisticamente inviáveis, já que sempre contemplam um contexto em
que toda a população mundial seria afetada — os especialistas lembram que, para
chegar próximo dos bons resultados, é preciso priorizar a ciência. "Todos
os cenários propostos mostram que é imprescindível o investimento econômico e
de pessoal especializado em ciência e tecnologia", ressalta a bioquímica
Graciele Almeida de Oliveira, que foi pesquisadora voluntária no National
Institute of Health, nos Estados Unidos.
"É
importante ressaltar que todos cenários que fazemos são projeções, são
exercícios especulativos. É necessário frisar que não há certeza em
projeções", afirma o virologista Flávio Guimarães da Fonseca, pesquisador do
Centro de Tecnologia de Vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Cenário
1: Isolar 100% das pessoas em suas casas
OK. Há
uma impossibilidade lógica nessa ideia: se todos estiverem isolados, como
seriam supridos por serviços essenciais? Então vamos considerar que os casos de
saída da quarentena seriam resolvidos com trajes especiais e detecção antes e
depois do contato com o meio externo.
As
maiores dificuldades seriam de ordem logística, garantindo o funcionamento
mínimo da sociedade de forma remota, e o convencimento da população. "Acho
muito difícil convencer o brasileiro a ficar em casa. Precisa ter exército na
rua, muita informação. E mesmo assim acredito que no máximo 50% ou 60% da
população obedeceria", diz o pesquisador Vasco Ariston de Carvalho
Azevedo, professor da UFMG — atualmente na busca por testes diagnósticos para o
novo coronavírus.
No
caso da França, por exemplo, o governo instituiu multa para quem sair de casa
sem motivo, durante o período de isolamento. "Na realidade brasileira isso
se torna ainda mais difícil diante do aumento do número de pessoas em situação
de rua. Os dados do IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] de 2015 já
apontavam cerca de 100 mil pessoas em situação de rua. Em São Paulo, houve um
aumento de 60% de pessoas em situação de rua entre 2015 e 2019", lembra a
bioquímica Oliveira. E quanto tempo seria necessário para os resultados? "A
vantagem seria retardar a contaminação, com isso o sistema de saúde poderia ter
leitos suficientes e salvar mais vidas. Mas acho que é quase impossível",
diz Azevedo. "A normalidade seria de três a cinco meses. É o que está
sendo esperado. Mas a vida normal vai voltar muito difícil”
"Teremos
um novo normal", acredita Oliveira. "Vamos ter de guardar fôlego para
estabilizar os problemas sociais e econômicos que podem surgir em decorrência
da pandemia. Mas, pensando na circulação de pessoas, Wuhan [na China, cidade
onde os primeiros casos surgiram] colocou a cidade inteira, com 50 milhões de
habitantes, em quarentena em 23 de janeiro. Hoje [na quarta-feira, quando a
entrevista foi concedida ao UOL] é o segundo dia consecutivo em que foi
registrado apenas um caso por dia. Quase dois meses depois. Temos que aprender
com o que os outros países estão fazendo no combate ao vírus", completa
ela.
"Na
ausência de vacina e de fármacos, isolar a população é a situação ideal",
aponta o virologista Fonseca. "Se conseguíssemos manter 100% das pessoas
isoladas, quebraríamos a cadeia de transmissão. Se isso fosse possível, a
epidemia seria contida em cerca de quatro meses.".
Cenário
2: Criar uma eficiente vacina, disponível para 100% da população
É o
Santo Graal de pesquisadores em todo o mundo. Mas aqui há alguns problemas. O
primeiro é que não se cria uma vacina da noite para o dia. Há vários protocolos
que precisam ser respeitados. São três fases de testes, tanto em animais como
em humanos. É preciso checar se a vacina não faria nenhum mal a quem a
recebesse, se seria realmente eficaz e quais seriam os efeitos colaterais.
Também
há a barreira econômica. Quem bancaria essa vacinação? Os países teriam como
adquirir a vacina e colocar no calendário gratuito de vacinação?
"Seria o melhor cenário o desenvolvimento
de uma vacina a que todo mundo tivesse acesso, e que as pessoas não tivessem de
pagar por ela", diz o virologista Jônatas Santos Abrahão, pesquisador da
UFMG. "E que fosse de fácil transporte e todos os países aceitassem que as
pessoas fossem vacinadas.
Segundo
o pesquisador, nesse contexto, "em três meses a gente poderia segurar a
pandemia. É um cenário bem positivo, contando o tempo de vacinação e os cerca
de 15 dias para que a pessoa soroconverta [desenvolva os anticorpos]",
explica.
O
grande problema é que essa vacina ainda não existe. "E realisticamente,
considerando os protocolos, dificilmente estará disponível em um ano, um ano e
meio", aponta Fonseca.
Normalmente,
desenvolver uma nova vacina leva cerca de 10 anos — com toda a urgência, esse
prazo pode se reduzir para meados de 2021.
Mas aí
haverá outras barreiras. "Quem vai produzir? Uma companhia farmacêutica
internacional? Não seriam todos os países que conseguiriam comprar os direitos
e colocar no calendário de vacinação", comenta Fonseca. "Se o vírus
se tornar sazonal, poderíamos controlá-lo assim, como fazemos com a gripe hoje.
Quanto maior a cobertura vacinal, menor a chance de o vírus circular. A vacina
é a melhor estratégia do ponto de vista do custo-benefício, porque é muito mais
barato vacinar do que tratar.
Cenário
3: Desenvolver um remédio eficiente
Tratar
os doentes não resolve a questão de forma coletiva — ou seja, interrompendo as
transmissões. Claro que desenvolver o remédio é importante, mas apenas no nível
individual, ou seja, para quem está infectado. "Até agora, existem muitos
fármacos sendo testados, mas nenhum se mostrou minimamente eficiente. Existem
antivirais para outras doenças, mas ainda não se chegou a um para esta. Pode
ser que algum laboratório tenha alguma coisa sendo trabalhada, mas nada foi
publicado ainda", comenta Fonseca.
Para
desenvolver um novo medicamente, os protocolos costumam ser mais simples do que
no caso das vacinas. Isso significa, conforme conta o pesquisador da UFMG, que,
"se alguém descobre um fármaco hoje, é possível que em seis meses ele
esteja no mercado".
"Ainda
assim", prossegue ele, "o tratamento é menos eficiente que a vacina.
E mais caro, já que o uso do medicamento não elimina a circulação do vírus, só
trata a pessoa infectada e ela continua transmitindo enquanto ainda tem o
vírus. A eficiência é limitada”.
O
professor Azevedo lembra que "muitas transmissões ocorrem a partir de quem
não desenvolve sintomas. O medicamento, portanto, só resolveria para salvar os
casos graves. E as pessoas continuariam transmitindo a doença.
Cenário
4: Criar testes baratos e universais
"A
ideia de testar 100% da população foi aplicada em uma pequena cidade da Itália.
E o sucesso foi absoluto", diz o físico Silvio Ferreira, que estuda, na
Universidade Federal de Viçosa (UFV), a propagação de epidemias. Ele se refere
ao que ocorreu na pequena Vo Euganeo, onde todos os cerca de 3,3 mil habitantes
foram testados, os contaminados isolados e, em poucas semanas, o novo
coronavírus deixou de circular.
Se
existisse um kit para que as próprias pessoas conseguissem testar se estão ou
não contaminadas — e esse teste fosse fornecido em todo o planeta —, evitando
assim que portadores do novo coronavírus tenham contato com os demais durante o
período de incubação e desenvolvimento da doença, isso poderia frear as
transmissões.
Seria
uma versão mais eficiente daquilo que foi utilizado em espaços públicos na
China — medidores de temperatura detectando se as pessoas estavam com febre, um
dos sintomas possíveis para a doença.
"Isso
seria perfeito, né? A pessoa sairia de casa sabendo seu diagnóstico e a
avaliação nos locais de internação de tratamento", diz Fonseca.
Ao que
parece, os esforços científicos não caminham para esse sentido, pela
dificuldade de simplificar o método de detecção e pelos custos envolvidos em
uma distribuição maciça de tais kits. "É uma ideia virtualmente
impossível", completa o virologista. "As técnicas de diagnóstico para
esse vírus ainda são complexas, não são daqueles que podem ser feitos pela
própria pessoa”.
"A
detecção do coronavírus em pessoas funciona com a coleta de secreção do
paciente e, por meio dele, conseguimos identificar se há ou não material
genético do vírus. Se houver, ele dá positivo. O método funciona, mas
infelizmente a quantidade de testes realizados no Brasil ainda é baixa. Saber
quem está contaminado é essencial no processo de conter a doença. Assim,
conseguiríamos isolar o paciente e evitar que ele transmitisse a outra pessoa,
quebrando o ciclo de transmissão", acrescenta Oliveira.
Cenário
5. Desenvolver um produto para erradicar instantaneamente o vírus das
superfícies de contato
"Este
método já existe: o vírus é suscetível a água e sabão, detergente, éteres e álcool
a pelo menos 70%", lembra Fonseca. OK, não é nenhum raio destruidor de
vírus, mas vale lembrar que é preciso caprichar nas lavadas de mão, nestes
tempos de pandemia. "Mas obviamente que isso tem eficiência limitada,
porque a principal fonte de transmissão somos nós, e não a superfície não têm
eficácia tão intensa", pontua o virologista da UFMG.
A
bioquímica Oliveira explica que os vírus têm uma capa de proteção chamada de
capsídeo. "É uma capa composta basicamente de lipídio e proteína. Destruir
a interação entre os componentes que fazem parte do capsídeo destrói o vírus. O
sabão, esse que a gente tem em casa, faz isso", comenta ela. "Por
isso a recomendação: lave as mão adequadamente com água e sabão. Está em casa?
Lave as mãos com água e sabão. Não precisa do álcool gel. Guarde o álcool gel
para quando precisar sair na rua”.
Um
local perfeitamente desinfetado, por alguém adequadamente trajado, estaria Ok?
"Esse ambiente ainda receberia pessoas possivelmente infectadas. Dessa
forma, mais do que criar novos produtos, é se policiar e criar uma rotina de
bons hábitos de higiene e limpeza de ambiente, tanto os nossos em casa quanto
em ambientes públicos", completa Oliveira.
"Em
São Paulo, por exemplo, nem todos os vagões de trem e metrô ou os ônibus estão
passando por um processo de desinfecção regular diante da pandemia. Há a necessidade
de se criar uma rotina e, quiçá, uma cultura de oferecimento de melhores
condições de transporte público. O entrave agora é incorporar essa prática na
rotina, além, é claro, do custo envolvido no processo", finaliza.
Cenário
6: Criar um detector high tech para identificar o vírus em pessoas ou
superfícies
Digamos
que tivéssemos um 'detector high tech' portátil, pelo qual, a partir de uma
amostra de uma superfície, surgisse a resposta "contaminado".
"Isso
seria interessante, mas deveríamos ter, por exemplo, uma proteína do capsídeo
que fosse única do novo coronavírus, e o vírus deveria estar em grande
quantidade. Com a maior quantidade de proteína, o método analítico funciona com
menores taxas de erro", comenta Oliveira.
"Para
menores quantidades de vírus, ou menor carga viral, a identificação ficaria por
meio de uma coleta de amostra para teste. Até a resposta chegar, é melhor
higienizar. Ainda é melhor manter a higienização do ambiente. Isso funciona
contra o novo coronavírus e mesmo contra outros vírus", finaliza a
bioquímica.
O
virologista Fonseca acredita que essa solução poderia ser interessante, mas
realmente não existe nada parecido. "Seria tipo um scanning das pessoas.
Na China, houve uma coisa próxima que era o medidor de febre, um aparelhinho
utilizado nas saídas de metrô. Mas a febre é um indicador de infecção, que
poder ser qualquer infecção. Existem limitações para desenvolver um detector
mais eficiente, nesse sentido”.
Fonte: https://noticias.uol.com.br/
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